5 de nov. de 2010

Como Esquecer (2010)

Um filme bem feito, muito delicado, bela fotografia  com ponto forte na atuação do elenco.  Num ambiente onde 3 amigos precisam cada um a seu modo sobreviver às suas perdas.  A partir da idéia de Hugo (Murilo Rosa) de dividirem uma casa num bairro distante,  próxima do mar, eles viverão  a aventura da superação juntos: Lisa (Natália Lage) abandonada grávida pelo namorado; Hugo há um ano tentando retomar sua vida após a morte do namorado e Júlia (Ana Paula Arósio) onde a dor da perda terá seu mostruário mais complexo.  Professora deLiteratura Inglesa, ela é refratária a qualquer tentativa de aproximação, sua grande questão é:  qual é o contrário do amor?  De temperamento forte ela sorve seu cálice de dor e espanto e assim planeja seguir, até que não haja mais nenhuma gota, passando por fases sombrias de autoflagelação e pensamentos suicidas. Personagem encucada,  que nos coloca questões sutis  de abordagens raras.  Recheado de citações de Virgínia Woolf, o filme ainda traz uma pitada da discussão sobre os autores terem a liberdade literária de escrever  sem se pautarem em suas vivências pessoais.  Júlia nunca planejou ter uma casa ou sonhou com uma. Casa, para ela, é apenas o cenário onde sua vida conjugal se desenvolve, por isso não lhe era fácil dividir espaço, partilhar intimidades com pessoas não de todo íntimas. Júlia  a princípio é azeda, ranzinza mas nas seduções que vão se desenhando ao longo da história, não é que ela  se torna extremamente interessante?! Tive a impressão de ser Júlia aquela pessoa que só permite intimidade ao ser amado com o qual se divide a vida, o tempo, a pele...  Há uma menção rápida de que ela seria daquelas que se fecham num relacionamento, no estilo “mais de 2 é reunião” e como sabemos, reunião precisa de agendamento...



Se Liza diz que Júlia é egoísta e só pensa em si, antes Hugo deixa claro para nós espectadores que ela havia “abandonado” sua vida para cuidar dele quando ele  precisou, motivo pelo qual, no início do filme ele decide tornar-se o home care da moça. Uma personagem tão densa quanto tensa, com valores próprios levados às últimas conseqüências. Não, o egoísmo não é o pecado de Júlia, como todos nós ela é egoísta em maior ou menor  intensidade, por por um tempo maior ou menor, seu sentimento de superioridade e orgulho são muito maiores que o egoísmo propriamente dito. Fechada em sua dor, ela olha com a superioridade dos intelectuais para a humanidade implicando, sem contudo,  desprezar, como um grande escritor olharia para as garatujas da criança que sonhasse ser romancista.


Tanto amor elevado à potência do abandono não descarta seus desejos físicos. Ela é  consciente do seu  corpo, parece entender que o esquecimento tem um ciclo que passa por toda teia de nervos, sangue,  pensamentos e sentimentos. A  dor antes de ser diluída, consumida esquecida,  terá de passar por todos os estágios da mente e do coração e da carne também.


Um filme  sensível que aborda o sentimento das pessoas mediante perdas, alegrias, esperanças a despeito da orientação sexual.  Neste aspecto o filme me lembrou muito a visão de Eytan Fox em seus filmes onde o gay é apenas uma pessoa com problemas  e soluções tal e qual qualquer heterossexual.  Um filme numa ambientação onde o gay  não causa estranhamento,  nem está angustiado  ou culpado nem orgulhoso  ou arrogante-desafiador-vitorioso. Está simplesmente  inserido vivendo uma realidade onde é aceito,  se preocupa com contas a pagar e realização profissional. Ainda assim o roteiro,  não deixa de pontuar a falta de segurança  financeira ou civil das relações homossexuais estáveis, duráveis, longas:  Julia e Antonia viveram juntas por 10 anos e Antonia se vai, deixando atrás de si um rastro de pendências práticas e também uma senhoria na porta  cobrando de Julia  o aluguel não pago e desejando regularizar o contrato ainda em nome da outra. Hugo teve mais sorte, pois seu par antes de falecer havia deixado um testamento.

Para esquecer, é preciso primeiro sobreviver  e para sobreviver Julia pensou até em morrer, o que se coaduna com  menções de Cassandra Rios e Virginia Woolf . Para a ranzinza Julia, esquecer  não significa aproveitar-se das oportunidades de romance e sexo que surgem, ela é quase indiferente às facilidades da vida  que em seus movimentos põe ao  nosso alcance novas pessoas e novidades.  Numa determinada cena  ela não se vê capaz de reconhecer na rua entre passantes a sua ex, o que para ela não significa esquecimento. Ela segue  o  caminho de um esquecimento  mais profundo,  talvez, esquecer para Júlia, seja  estar capaz de se deixar preencher inteira por outra pessoa, estar disponível   e não  apenas mais uma vez  morar num novo cenário. Talvez esquecer seja estar pronto para com propriedade amar de novo...



Como Esquecer; Brasil; Drama; 98 minutos; 2010; Europa Filmes Direção:Malu de Martino, Elenco: Ana Paula Arósio, Murilo Rosa, Natália Lage, Arieta Corrêa, Bianca Comparato, Pierre Baitelli

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