5 de mai. de 2022

UM OLHAR SUBURBANO SOBRE FILOSOFIA MEMÓRIA ESCRITA E ORALIDADES


 Essa é a nossa próxima aula da Universidade das Quebradas UFRJ Preciso contar pra vocês algumas coisas.


Tem aquela frase que o caminho (viagem) é mais importante do que o destino (chegada). Faz sentido se pensarmos que os lugares onde chegamos não é o lugar onde ficaremos.

Faz falta na nossa vida em sociedade ter em mente o estamos mais do que o somos. A única coisa que somos de verdade, na vida, é transitórios. Estamos fetos, estamos bebês, logo ficaremos crianças, adolescentes, quando menos se espera estamos adultos e num piscar de olhos, olha nós aí, idosos. Idosos que chamamos velhos, velhos como chamamos tudo aquilo que já deu, e de repente, não estamos mais nada. Seremos lembranças queridas ou não, mas lembranças. E estaremos eternos enquanto lembrarem de nós.

A preparação da divulgação dessas aulas passa por muitas mãos. Desde quando é feita a indicação do nome do palestrante até o momento em que ele chega à sala 2.2 do Museu de Arte do Rio A parte que me cabe nesse processo é criar o designe gráfico e as peças que vão para a internet e auxiliar no que as colegas de trabalho precisarem se precisarem. Então, a Thainá Menezes de Melo que é a social mídia, teve a ideia de postar um carrossel na véspera. Carrossel é aquele conjunto de imagens para instagram que tem um fluxo, como se fosse uma única imagem comprida, e na verdade, é só que cortada de um jeito que lhe dê fluidez Nesse carrossel, ela pede para que se coloque informações sobre o tema da palestra.

O palestrante quase sempre manda um resumo, mas dessa vez, eu fiquei apatetada. Porque nesse resumo eram citados termos que eu não fazia ideia do que eram, por exemplo:

“Considerando 'clássico' em Calvino”. Ponto.
O único Calvino que eu conhecia era aquele líder da reforma protestante e, óbvio, não simpatizo com ele.

Seguia, o resumo: "será utilizado um ‘clássico’ da literatura e da filosofia, o diálogo Fedro de Platão". Ponto.

Oras, de Platão eu só sabia o que todo mundo sabe, que era discípulo de Sócrates, e inventor do amor platônico rs.

Ah, também sabia que Platão foi o cara que registrou por escrito os ensinamentos do seu mestre que, como Jesus Cristo, nunca escreveu uma linha sequer.

Eu amo Sócrates! Desde quando ele jogava no Coríntias... Palhaçada! Eu amo Sócrates, o filósofo, porque me identifico com ele. Vivia de boas pelas ruas da Grécia conversando com as pessoas, ensinando assim, como quem não quer nada. Só perguntando pra fazer as pessoas se ligarem, pensarem e perceberem se estavam certas ou erradas ou o que nem faziam ideia.

Sócrates era filho de um artesão com uma costureira(?). Era pobre. Estudou o que podiam estudar os pobres daquela época. Aprendeu o ofício do pai com o qual se sustentou por um tempo, depois virou uma espécie de arte educador, sabe? Professor que ganha mal pacas.
(Parênteses
A mulher dele subia nas tamancas, enchendo o saco do coitado, que segundo dizem que ela dizia, não sustentava a própria familia).

Até porque ensinava pelas ruas para quem PRECISA. Ora vejam que os gregos, pais da civilidade e civilização não eram muito diferente... Bom deixa isso pra lá.

O fato é que Sócrates foi condenado por sedução da juventude e por não estar de acordo com as falácias governamentais impostas na vida dos gregos. Muita gente não curtiu a acusação, ele era um cara muito querido, honesto e cheio das virtudes que ele tanto apregoava. Vivia conforme o que falava. Por isso ele teve a opção de ser degredado e nunca mais "lecionar", nunca mais disseminar seus pensamentos. E olha que o cara só sabia que nada sabia, hein! Sócrates preferiu a pena de morte. Com dignidade tomou seu veneno, porque ele já tinha intuído que a hora dele tinha chegado. Conto isso porque esses são os meus conhecimentos sobre a temática.

E daí? E daí que Sócrates falava dessa questão da oralidade e escrita. A oralidade ainda não era uma coisa minimizada como tentam fazer hoje, quando a gente mal se fala, e ele acreditava que era a melhor forma de transmitir os saberes, porque é democrático, num lugar onde só cidadão de bem podia aprender a ler e escrever. O cara era um sábio!

Então, eu ciente do quanto sou ignorante no tema fui pesquisar tudo no Google. E me ocorreu que muitos talvez não saibam de Fedro, Platão, Sócrates, disputa hermenêutica e etc. e foi um resumo muito xexelento, porque não tem outro jeito, que eu coloquei em uns 3 ou quatro slides do carrossel da Thainá. E aí se fez a magia.

Um detalhe: Fedro, não é um cara com nome esquisito, é um clássico que resume a Filosofia de Platão, escrito em diálogos e, é aí que tem o babado do amor platônico...

Calvino é um italiano que nasceu em Cuba que diz que "Clássico é o livro que nunca diz tudo o que tem pra dizer", ou seja, a cada vez que se relê, não é releitura, é sempre uma leitura nova.

Na escola aprendi sobre a Grécia umas coisas muito furrecas sobre democracia e umas histórias da mitologia. Olha o quanto a gente poderia ser mais elucidado, se tivesse acesso aos conhecimentos que essa moça vai compartilhar com a gente no dia da aula. Com direito a discutir a disputa hermenêutica que vem dos gregos e arrebenta com a gente até hoje Daí, aprendi também que os nomes são complicados mas os significados estão na nossa vida o tempo inteiro.

Hoje é sábado, mas essa é a minha crônica de domingo., porque estou ocupada lendo Fedro.

Vocês poderão assistir ao vivo a palestra da Luisa Buarque, basta se cadastrar no Sympla, se ja tiver cadastro, é só ir no link: 

24 de jan. de 2022

JOGO É JOGO, SONHO É SONHO E TEM O MEDO | Crônica de Domingo

 

Talvez haja na maioria do seres humanos um inevitável apego à maldade, pelo menos naqueles que não são maioria mas se iludem que são donos do mundo. Aqueles que curtem o fast, o superficial, o que já vem pronto pra consumir, no máximo uma esquentadinha no microondas porque calor não é a vibe desse povo.

São umas gentes que se aproveitam de qualquer detalhe para eliminar outras gentes da categoria de gente. O mais perigoso e cruel negacionismo é esse que tira do outro o direito de ser uma pessoa e isso é explorado pra virar dinheiro, porque onde não há respeito humano, só existe valoração do poder e muitas vezes dinheiro não representa necessariamente poder, então é preciso desumanizar, desqualificar aqueles que têm algum tipo de poder ( carisma, influência, competência). Muitas vezes o que se chama entretenimento nada mais é do que uma repaginada de guerras e competições como as do circo de Roma; o humor derivado do constrangimento de terceiros.

Essa suposta superioridade que o mundo estimula tantos para que tenham pode dar errado, quando realmente se acredita nela, eu penso ser o caso da Naraia e pasmem, penso que ela nem tenha culpa. Nesse meio descerebrado que é essa nova música neo sertaneja que o mercado tenta transformar a qualquer custo em identidade nacional, Naiara que vem do interior, de uma cidade minúscula, segundo ela mesma diz, chega na casa com o grito ou melhor, berro: AVISA QUE EU CHEGUEI, P0RR4AAAAAA!!!
Muito vento e nenhum furacão.

Ela não mostrou as tintas carismáticas que normalmente o palco tinge seus ocupantes. Ela investiu numa linguagem afetivae culinária de mãezona ou vovozona, conforme ela disse, uma tentativa de descontruir a imagem pesada/agressiva que pudessem ter dela - eu particularmente não teria como parça no jogo uma mulher que nas brigas com os machos traidores agride as mulheres que a rigor não têm nada a ver com ela, por exemplo:

"E pra ajudar pagar a dama que lhe satisfaz
Toma aqui um 50 reais"

"Sei da sua fama, meu bem eu não sou boba
Você é uma quenga, sem vergonha, rapariga"

Mas jogo é jogo e Naiara não foi recebida como esperava, não "causou" como imaginava, sequer achava que a casa já ia votar nela pra sair logo na primeira semana. Imagina o calafrio que ela deve ter tido de imaginar a rejeição do publico. E, seja por não se sentir capaz de arcar com essa rejeição ou por estar ciente que isso poderia ser um tiro pela culatra de quem foi a um programa pra ampliar a visibilidade, mete a história de "votem em mim pra sair que não consigo ficar". Como se diz aqui na minha terra: mó caô! Não confundir com mó calor que também tá rolando.

Se ela quisesse sair mesmo, tem um botão bem grande no meio da sala. Se ela quisesse vencer tentaria outras coisas além de abraçar e cozinhar, mas quem sabe ela não nutre a esperança de Jânio Quadros? Tudo bem que ele se ferrou, como todos que que ameaçam sair só pra ouvir o coro de fica, ainda assim a coisa existe e acontece. Talvez ela tenha a expectativa de se sentir querida e aí tentar de novo. Se isso acontecer espero que seja fazendo jus às canções que canta coo tiazona bem má.
Não que eu tenha esse lado perverso de curtir fogo no parquinho, mas eu ficaria tão enjoada de pensar que alguém tem um repertório tão variado de máscaras...

PS.:
Acreditam que a ideia desse post era falar do Abrava com o seu mundo Ursinho Carinhoso? Afffff, acho que perversidade pega.

#bbb22 #ESCREVENDOPRAPENSAR #antesqueamudançachegue

20 de jan. de 2022

 


Tô muito de saco cheio. Calor da carálio, ventilador pifado, máquina de lavar escangalhada, me escondendo do carro da Light e se contar vem logo um perguntar:

-Ué mas a Light não conta com duas contas? 

Não sei se querem saber quantas contas eu devo eu é só olho grande mesmo. O fato, ninguém vai ajudar. Eu quero é saber onde foram parar as pessoas legais dessa cidade, faz tempo que só gente cafona vem ocupar a vizinhança.                                                                 Ando panicada sem conseguir sair de casa, irritada pacacete! 

Todo mundo se mudando pro Orum. Bostonauro não se cala, Moro não se manca. Gás tem mas o fogão só funciona uma boca.

Em crise criativa, não consigo escrever uma linha no meu livro. 

Meu senhorio me manda mensagem crente todos os dias no zap, meus vizinhos escutam sertanojo o dia inteiro e tem os que metem só louvor no som alto e o mês de janeiro pelo jeito só vai acabar e junho.

Tô LOKA!!!

Preciso fazer uma viagem urgente! Sempre viajar me tirou do breu.

Somando o cofrinho, o que não tem no banco, o limite di cartão dá pra ir pra Paquetá, bico seco e não voltar .


A aluna mais brilhante do colégio deu fail

14 de jan. de 2022

NA PADARIA


 Na padaria tem um cara que não me parece funcionário mas está sempre por lá. Deve ser dono ou gerente. Quando ele me via com a camisa Lula Livre dava sempre um jeitinho de começar uma conversa bem alto com alguém (nem que fosse com ele mesmo) e dizer o quanto Lula tinha roubado e quão milionários eram seus filhos donos da Oi e da Friboi (agora que percebi a rima, será algum tipo de dupla sertaneja?).


Teve um dia, em 2018 quando me viu entrando já começou a falar sobre os "inc3st0s do Haddad". Nunca pude responder ou revidar porque o cara não falava comigo, falava pra deus, pro alto, pro nada às vezes para as funcionárias que fingiam interesse e concordância, constrangidas por mim.

Chegou a pandemia e a padaria era o único lugar que eu ia uma vez por semana, pra comprar cigarro e toda vez que eu passava álcool nas mãos depois de guardar o troco, porque nessa padaria, o cigarro é tratado como droga ilícita e o fumante como lixo esquerdista - não vende cigarro no cartão, o cara olhava pra TV que fica bem no alto no meio do salão, fixa numa pilastra e dizia:
- Palhaçada.
Então, ontem entrei na padaria, de máscara, porém tossindo, espirrando e fungando. De propósito. Pela primeira vez ele me olha na cara. Abaixa a cabeça e sai apressado como se tivesse visto uma assombração.

A moça do caixa:
- Ele não tinha tomado vacina. Está só com a primeira dose...
- Ah, tá. Quissifueda!

31 de dez. de 2021

EDUCAÇÃO


 Houve uma época da minha vida que eu dizia: Não posso liderar, não sei pra onde ir, como poderia conduzir? Era uma verdade, uma frase, um medo, uma realidade. Mais que retórica, sem nenhuma metáfora. A gente tende a acreditar no que dizem que a gente é.

Se vacilar, passamos a vida acreditando no que nos disseram que éramos. Pode acontecer de não aceitarmos desafios, de não irmos muito pra longe das nossas referências, pode ser que tenhamos um misto de amor não declarado e ódio não demonstrado por algum chegado e guardamos num canto porque não sabemos lidar. Pode acontecer de repetirmos um ditado, uma frase, uma palavra sem atentarmos o que aquilo significa pra quem ouve ou pra gente mesmo.

Cresci num lar humilde, à sombra de uma mulher incrível e jamais questionaria qualquer coisa que ela dissesse. Passei muito tempo pra entender que só quem pode saber de mim sou eu. Não adianta eu esconder as dores, fingir sorriso, mostrar vitórias, isso só vai funcionar quando eu souber valorizar cada feito e se eu não me valorizar junto, esses feitos rapidamente caducarão, perderão a validade e estarei vazia sem entender como.

Existe a hora de ler a cartilha e a hora de abandonar a cartilha. E algumas cartilhas devem ser substituídas por outras que só a gente não contemplada nas antigas, pode escrever.

Precisamos entender que não é o político que sabe o que a gente precisa, nem o modista que identifica o percentual de conforto do que a gente veste. Pagamos e escolhemos o que nos cabe. O estudo dessa gente é para nos atender, a educação é para favorecer o mundo. Ou pelo menos deveria ser. Não dá pra confiar em alguém que estudou só pra ter uma profissão que ganhasse mais. Educação não é isso. Ninguém se torna bem educado porque tem talento, ficou rico famoso ou porque foi teimoso e acertou na loteria, nem mesmo porque estudou. Educação é preparo para viver em sociedade. Ou pelo menos deveria ser.

Aqui, com texto totalmente desvirtuado e saído do roteiro, lembro do meu tio: Baixinho, magro, moreno pálido, cabelos muito pretos e lisos, olheiras tão escuras quanto os cabelos, grandes, profundas, características de família, chapéu na cabeça, roupa nitidamente vinda de outro corpo onde se ajustava bem porque nele nem caia bem. E tio Chiquinho numa atitude que me moía como se eu fosse vidro pra fazer cerol, tirava o chapéu da cabeça, trazia junto ao peito e dizia:

- Francisco. Mas pode me chamar de Chiquinho. Seu criado.

Essa foi a educação que ele recebeu, isso foi o que disseram que ele era e passei mais da metade da minha vida sem entender porque isso me incomodava tanto.

Mas agora eu entendi. 
2022 vai ser muito bom!

30 de dez. de 2021

Pra que dizer mais?
Pra querer mais?
Se eu nunca me vi
Tão perto de ser feliz
:
Tô levando uma fé filhadaputa em 2022
Devo estar meio doida, ou cansada de não acreditar em nada.
Somos treisvezdois a não dá pra parar
Tô levando muita fé filhadaputa pra 2022
Porque aí não tem como errar,
Não tem como não dar certo
Se td der errado tenho Iemanjá por perto
Não tem como errar
Se td der errado tô amparado por Obará.
To com fé no 22. Sou doida não posso negar
Até aqui é a fé que me traz
A gente preta que vem de longe
Sabe que só ela dá um tanto de paz
Pra quem chegou sequestrada, sem direito a nada.                                                                                Nunca fiquei calada, ás vez deixava pra depois.

Chega! Tô com tudo nesse 22!
Mesmo que eu não tenha nada
Você tem o chicote
Nós tem a estrada
Você tem carro, dinheiro e casa
Tenho vida, arte, entendimento e asa
Você compra, eu vendo
Você não paga, eu não me rendo
Você tem dinheiro e não tem valor
Eu tenho tudo porque sou da cor
Que não me deixa só, mais
Eu sou mil pelos vivos e ancestrais (…)
:
 

21 de dez. de 2021

RECOMEÇAR

 

Eu te entrego o que mais prezo o que sempre quis pra mim.
A liberdade de ser livre e escolher a liberdade.
A quem interessa um amor assim?
Minguado, pequeno, franzino, miúdo, sofrido, severino, talhado por maldade.
Quem compra na caixa sem querer ver assim?
A lealdade do amor verdadeiro, que se olha no espelho e se vê tal qual é.
Mal partiu, mal nasceu está perto do fim.
Desacreditado, inocente, sonhador, incompetente, versador, do jeito que é.
Aquele filho que a mãe esconde e o pai não diz sim.
Crédulo, brasileiro sem jeitinho,
crédulo, João bobo, zé mané
Com talento pra viver, com jeitinho pra sofrer,
Adoravelmente acidulce, péssimo aluno, disrítmico, folgado, confortável
zero à esquerda pra enriquecer.
no limite da preguiça, sobre a risca do desafio, tolo, tolo, indefensável.
Nordestino, carioca, baiano, crioulo, e tudo que se fala mal quando se vê
Não vai lhe contar nenhuma história que viu na TV
Não vai te entregar nada que não seja seu,.
Sem abuso

Mas você tá grande e pensa que me engana
quando engana a si mesmo, assim mesmo

A quem interessa a liberdade?
A qualquer prisioneiro que não tenha preguiça de viver.
Que entenda que amar é construir nova casa a cada dia,
É capinar, plantar, semear, regar catar pragas, arar
E no auge do cansaço, recomeçar.

2 de set. de 2021

A PROPOSTA


 Era um dos melhores restaurantes do bairro, a decoração era um tanto rústica, a comida excelente e servida em quantidades generosas, sempre bem cheio quase sempre com fila de espera na porta.

Eu namorava uma pessoa que adorava comer e se sentia feliz em me mostrar "o que era comer bem." Fazia dessas incursões gastronômicas um estandarte, é, ela ostentava mesmo. Quem pagava a conta era eu, se não no ato, depois, quando ela me avisava em desespero que o cheque não tinha fundos ou que só dava pra pagar o mínimo do cartão. Nunca me importei muito com isso, lá em casa comer fora era mais ou menos como viajar para o exterior, não cabia no orçamento, um desperdício, quase um pecado. Então eu pagava com prazer aqueles almoços e jantares mesmo porque foi assim que eu comecei a conhecer as coisas boas da vida e as ruins também. Foi o início da minha vida organizada no mundo. Não havia lugar que eu frequentasse que não saísse de lá com um bom amigo ou amiga de infância.
Tornei-me adepta do ritual de comer fora sem precisar de uma data especial para isso. Tornei-me assídua do tal restaurante que tinha um elenco de garçons do Nordeste que eram extremamente simpáticos, respeitadores e que já faziam valer a pena ir ali. Almoçava qualquer bobagem para jantar lá e como o Rio de Janeiro é um ovo, aconteceu que fui trabalhar num escritório de contabilidade que prestava serviço para esse restaurante e eu via o seu dono quase todos os dias.
Um dia, passei lá pra tomar uma caipirinha. Estava sozinha, queria mais pensar do que beber mas a bebida ajuda nos pensamentos. Era uma tarde bonita de um dia lindo desses que a gente imagina que não existe em outro lugar do mundo e meio que se culpa por não estar em condições de aproveitar. Ainda assim, eu precisava pensar. A vida estava estranha, eu não sabia para onde estava indo, percebia que estava sendo levada. Eu e minha caipivodka que poderia ser de rum, não lembro, de cachaça sei que não era, eu não podia beber cana, o santo proibiu. O dono do restaurante chegou sorrindo e perguntou se podia sentar-se pra conversar um pouco. Educadamente disse pra ele que eu estava de saída. Educadamente ele entendeu.
Eu precisava pensar e não queria conversar com um cara que eu conhecia pouco num momento em que me sentia frágil. Eu estava tentando entender porque do nada algumas pessoas da minha família tão radicalmente contra os meus relacionamentos deram pra estender tapete vermelho para a minha namorada. Esse era um assunto que não dava pra perguntar. Por erro meu, talvez, não rolava esse tipo de conversa lá em casa. Sempre fui uma pessoa de momentos e naquele, especificamente, queria conversar comigo mesma e com o meu copo de birita.
O dono da casa se retirou. Não teve a conversa. Ela aconteceu uns dias depois. Ele passou no escritório e me convidou para ir conversar, disse que tinha uma proposta. Eu que já havia conversado com o patrão sobre aumento de salário sem sucesso, certa que era uma pessoa de sorte, imaginei que seria uma proposta de trabalho. Fui pra ouvir ou, como dizia minha avó, "fui assuntar" estava um tanto apreensiva porque até então evitava analisar o que ele mesmo havia me contado, certa vez, que ia ao nordeste e trazia “umas dúzias de homens” para trabalhar no restaurante. Ensinava o serviço porque eram “xucros” e eles dormiam em algum lugar que eu nunca conheci ali, no restaurante mesmo. A situação em si não me chamou tanto a atenção quando foi exposta, só fiquei desconfortável com os termos que ele descrevia aqueles homens que eram da mesma cidade que ele...
Uns risinhos pra lá, uns cerca Lourenço pra cá, quando eu estava distraída e a proposta aconteceu, resumidamente, mais ou menos assim:
Ele era casado (e eu não lembro agora há quanto tempo), amava a mulher e viviam bem, me dizia, mas tinha anseios de pular a cerca e não podia fazer isso de qualquer maneira. O risco era alto, pela posição financeira dele, "perigava de rolar um barraco com uma periguete qualquer" que prejudicasse seu casamento, mas principalmente pelo grande apreço que ele tinha ao seu bilau que "não foi achado no lixo" e mais alguns blá-blá-blás.
Hoje eu tenho vontade de ver que cara eu fazia ouvindo essas coisas que me soavam como atrocidades. De toda a forma, a cara qualquer uma que eu tenha feito não o intimidou. Seguiu falando:
- Eu sei que você namora a fulana, então queria te propor o seguinte: Monto um apartamento pra você, pra gente se encontrar uma ou duas vezes por semana. Um apê bacana, você pode decorar ao seu gosto. Te dou um carro e uma mesada que a gente pode combinar e você não pode arrumar outro cara, tem que ser só eu na parada. Eu sei que você não é chegada mesmo, mas só pra ficar bem esclarecido e outra coisa: Não vou mexer com a sua menina. Se você quiser viajar eu dou um jeito. Conhece o Nordeste?
😮
- Então, rapaz, se você está dizendo que eu "não sou chegada" como me propõe uma coisa dessas?
- Porque eu sou um cara legal, carinhoso, diferente dos caras que você conheceu.
Eu matutava o que ele poderia saber sobre os caras que eu conheci, se é que tinha conhecido algum. Só consegui dizer:
- É?
- É. Não vou fazer nada que você não queira. Tem muito cara mané que não sabe tratar uma mulher. Acaba que você ficou assim.
Eu tentava imaginar o que ele entendia por saber tratar uma mulher, não me parecia um bom tratamento o que eu via ali, ele oferecer à mulher dele.
- Assim como?
- Ah, Roze... Pô, assim. Gostando de mulher. Embora que eu te entendo muito. Porque mulher é bom mesmo...
(Não vou escrever tudo aqui, vou guardar as piores partes pro meu livro).
Como cantava Cazuza, “eu queria ter uma bomba, um flit paralisante qualquer”. Não conseguia encontrar palavras pra responder à altura. Eu era uma garota romântica mesmo não assumindo isso, não acreditava em contos de fadas, mas aquilo era um pouco demais pra mim. Era meio bobona, tinha uma vida um tanto difícil porque me relacionava com uma pessoa complicada, como disse antes, a vida não estava nenhuma maravilha, mas eu ainda acreditava que tinha jeito, um jeito meu de arrumar as coisas. Não achei as palavras certas, até hoje, acho que não respondi direito.
- Vem cá, você já experimentou propor isso pra sua mãe?
Levantei, peguei minha bolsa e saí sem olhar para trás.

26 de ago. de 2021

QUE A TERRA LHE SEJA LEVE

 


Há muitos anos tive um chefe que era o dono da empresa, eu tinha 23 anos e ele, uns 42. Certa vez ele me deu uma cantada em grande estilo. Foi mais ou menos assim:

Voltei de férias, linda, pele preta-canela super em dia, viajada, cheia de roupa nova, cabelo com o corte da Simone que era a moda e tudo da Cigarra que eu podia ter...
Ele tinha o hábito de tomar champanhe à beira da piscina todos os dias às 18:15 horas e sempre me convidava. Eu ficava por ali, que ele tinha conversa ótima. Era um cara de outro estado, tinha muitas histórias diferentes. Amo histórias.
Nunca percebi que eu era sua companhia preferida pra isso, o horário ficou sendo esse porque o escritório fechava às 18 e quando ele me convidou pela primeira vez, tipo por acaso, eu recusei porque não bebia em hora canônica. Até hoje, não.
Ele me chamava RosEmarL, naquele sotaque do sul e brincávamos muito por conta dos nossos sotaques. Ele me corrigia:
- Não é um copo di leiti quenti! E: um copo dE LeitE QueNNtE
Eu respondia:
- Não é Rosemarl é Rozzimarrrr, Nem carlne, nem porlta
A gente ria.
Eram tempos de Figueiredo, gatilho salarial, Tancredo agonizante e ele falava mal do velhinho. Eu não era mais politizada, larguei a política junto com a faculdade, já tinha abandonado as reuniões do movimento negro mas não dava, como nunca deu pra deixar de ser de esquerda e era franco atiradora independente da causa, na época, chamada LGS.
Ele sabia da minha condição homo afetiva, aliás o mundo sabia. Eu adorava ver o espanto na cara das pessoas que me julgavam bonita demais, culta demais, inteligente demais e pasme - sexy demais para ser apenas sapatão. Sim, porque eu só conseguia emprego quando me munia de decote, saia, salto e muito charme no andar que ralei pra aprender a ter nas aula da Socila.
Nesse dia de volta das férias, no final do expediente ele me convidou pro champanhe costumeiro. - Vamos tomar um Chandon pra comemorar sua volta?
Eu gostava dele e tinha um pouco de dó. Era um cara solitário. Tratando do divórcio recente, a ex linda com jeito de miss, um filho pré-adolescente que era o capeta em forma de piá e uma filha louruda boazuda que sissi demais.
Quando a garrafa chegou abaixo da metade, ele vai ao escritório e volta com uns papéis. Conta que também viajou. Fora à Mauá, comprou um sítio lindo que tinha uma queda d'água e uma pequena piscina natural. Fiquei feliz por ele.
- É pra passar finais de semana?
- Pode ser. Se você me convidar.
- ??
- Eu queria te dizer, que RosEmarl que eu senti saudade de você.
- Ah, eu também. A gente passa mais tempo junto que...
- Não. Eu sinto saudade de você como mulher. Da sua companhia. Da sua conversa, mais da sua alegria. Você é tão menina, angelical com o diabo no corpo.
- Adorei o elogio. Sou bem isso mesmo mas não entendi o sítio.
- Comprei esse sítio pra você. Você ama cachoeira e mato. Diz que gostaria de viver no interior. O meu divórcio está concluído... É um presente de noivado.
Fiquei feliz, aquela felicidade triste de quando a gente não sabe o que dizer e lamenta por não poder atender. Não era uma uma tristeza alegre. Era um desconforto receoso. Mas dei conta. Com jeitinho.
Saí da empresa quando minha mãe faleceu e eu enlouqueci. Não conseguia trabalhar, nem comer, nem dormir de certa forma morri junto por ter de enterrar meus sonhos de filha que eu ainda não tinha conseguido ser direito.
Nos reencontramos depois, creio que só mais umas duas vezes. Minha marida na época era macha abusiva, me cerceava e eu, uma bobona que não percebia. Vivia à minha custa e tinha pavor de eu me encontrar com ele.
A essa altura, ele engrenou um relacionamento com a filha de um funcionário que vivia indo lá cercando, cercando e me odiando. Burlei as vigilâncias quando soube que o filho, já crescido, tinha sofrido um acidente grave. Ele me recebeu com a alegria de sempre, apesar de estar ainda mais triste e carregando uma solidão que dava pra pegar com a mão.
A noiva, me tratou com desprezo. Fodasse. Não fui visitá-la. Na visita seguinte, eles já estavam casados ou morando juntos numa casa bem bacana num sub bairro bem metido a chique aqui perto mesmo. A mona me espinafrou. Eu reagi com elegância pra ela ficar irritada e com a veemência de quem não abre mão de bons amigos. No entanto, nunca mais voltei. Não acho digno mexer com a insegurança de outra mulher por mais que ela mereça e ele embora tenha vindo falar comigo, do lado de fora, na praça, não me pareceu merecedor de insistência por essa amizade. Também não fui por gosto, mas aí já é outra história.
Isso tem quase uns trinta anos.
De terça pra quarta dormi um pouquinho pela manhã depois de concluir uns vídeos e gravações de áudio pro projeto que tem dado sentido aos meus dias pandêmicos. Foram cerca de duas horas de sono. Sonhei com ele. Um sonho muito estranho. Durante o dia esse sonho me perturbou. Queria entender o significado. Não conseguia.
Na época eu ouvia muito Belchior, aquele LP com a foto imensa em preto e branco tinha uma música que me lembrava muito ele. "Pequeno perfil de um cidadão comum." Até hoje lembro dele quando ouço. Lembrei muitas coisas. Não catei o significado do sonho.
Entre tantos afazeres, consegui um tempo pra sentar, fumar um cigarro e tomar uma cerveja, porque Chandon, sem chance. Catei Belchior no Spotfy. Fiz as contas, ele teria hoje uns sessenta e oito, sessenta e nove anos. Tentei imaginar como estariam seus olhos cor de oliva, se ainda usaria cabelos cacheados em volta daquele rosto imenso e se ainda teria aquele sotaque carregado. É estranho lembrar de tantos detalhes de quem saiu do nosso radar. Apreensiva se ele não teria virado um véio da havan.
Dei um google no nome dele.
Descobri que fazia sete anos que ele não morava mais nesse mundo. Morte acontece quando a gente sabe.
Minha roça está fechada ainda. Vou encomendar uma missa para aquele ateu gentil. Aquele gigante triste de riso espalhafatoso. Aquele homem, o único que pensou em me dar algo em vez de tirar.
E como dizia Belchior no final da música que é do Toquinho:
"Que a terra lhe seja leve"

12 de ago. de 2021

A PRESSA

 

Como se não bastasse, enquanto civilização, não termos uma postura decente em relação à morte; Sermos hipócritas ao ponto de tentarmos viver por aqui como se fôssemos merecedores do paraíso e juízes do merecimento ou não do outro a ter de uma vida digna.

Não satisfeitos em não avaliar que a cerimonia de cremação é de uma frieza e cafonice que tira a oportunidade de exaltar o único patrimônio que levamos, única riqueza que deixamos no mundo: o jeito como seremos lembrados, as histórias que nos substituirão na vida.
O ritual que precede a cremação deixa muito a desejar se comparado aos velórios suburbanos e gurufins dos sambistas.
Cada vez mais parece que o mundo tem pressa de se livrar de nós de modo que não reste muitas lembranças e isso é uma afronta tão grande à nossa ancestralidade no que diz respeito à oralidade que deve ser mantida e transmitida.
Deve ser muito ruim não ter um túmulo onde se possa fazer as pazes com quem partiu apressadamente ou que só se fez notar o quanto amado era ao se ir assim sem agenda para o acerto afetivo de contas... Algumas vezes fui ao túmulo da Odetinha pedir graças e saí com milagres e agora nem podemos chegar no céu com essa reivindicação.
Toda vez que morre alguém querido fico pensando na morte e nos paliativos que me tornem menos triste e dolorida. Ter uma referência do que sobrou da vida é muito apaziguador quando não temos certeza de outros níveis de existências. E a sociedade me soa como uma coisa ruim impondo costumes que não são para o nosso bem mas para o progresso dela.

De modo que quero deixar dito que se me cremarem, vão ter os pés puxados e corações acelerados de susto todos os dias, pois eu virei a cada noite, assombrar quem mandou me cremar, quem cremou e quem não impediu.
Quero velório com muita música do samba à Madonna e Michael Jackson, bastante samba mesmo, muito rock BR, sem sofrência e nenhum arrocha que isso tenho tido mais do que mereço em vida. Muita birita e fartura nos belisquetes. Quero todo mundo contando histórias minhas sejam boas ou más, de preferência divertidas e, eu sei que essas são poucas.
Quero bandeiras sobre o meu caixão porque acho lindo quem sabe recolhê-las já dobrando (Império, Portela Botafogo) E aí sim, deixarei todo mundo em paz, porque, sem herdeiros, vou ficar matutando, concentrando energia num jeito de fazer florescer um pé de pimenta no meu último cafofo. É que roseira é coisa de santa, né? Cada um conforme sua vida e merecimento.
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Na foto: Abelardo e Heloisa. Que continuariam separados se tivessem sido cremados