12 de ago. de 2021

A PRESSA

 

Como se não bastasse, enquanto civilização, não termos uma postura decente em relação à morte; Sermos hipócritas ao ponto de tentarmos viver por aqui como se fôssemos merecedores do paraíso e juízes do merecimento ou não do outro a ter de uma vida digna.

Não satisfeitos em não avaliar que a cerimonia de cremação é de uma frieza e cafonice que tira a oportunidade de exaltar o único patrimônio que levamos, única riqueza que deixamos no mundo: o jeito como seremos lembrados, as histórias que nos substituirão na vida.
O ritual que precede a cremação deixa muito a desejar se comparado aos velórios suburbanos e gurufins dos sambistas.
Cada vez mais parece que o mundo tem pressa de se livrar de nós de modo que não reste muitas lembranças e isso é uma afronta tão grande à nossa ancestralidade no que diz respeito à oralidade que deve ser mantida e transmitida.
Deve ser muito ruim não ter um túmulo onde se possa fazer as pazes com quem partiu apressadamente ou que só se fez notar o quanto amado era ao se ir assim sem agenda para o acerto afetivo de contas... Algumas vezes fui ao túmulo da Odetinha pedir graças e saí com milagres e agora nem podemos chegar no céu com essa reivindicação.
Toda vez que morre alguém querido fico pensando na morte e nos paliativos que me tornem menos triste e dolorida. Ter uma referência do que sobrou da vida é muito apaziguador quando não temos certeza de outros níveis de existências. E a sociedade me soa como uma coisa ruim impondo costumes que não são para o nosso bem mas para o progresso dela.

De modo que quero deixar dito que se me cremarem, vão ter os pés puxados e corações acelerados de susto todos os dias, pois eu virei a cada noite, assombrar quem mandou me cremar, quem cremou e quem não impediu.
Quero velório com muita música do samba à Madonna e Michael Jackson, bastante samba mesmo, muito rock BR, sem sofrência e nenhum arrocha que isso tenho tido mais do que mereço em vida. Muita birita e fartura nos belisquetes. Quero todo mundo contando histórias minhas sejam boas ou más, de preferência divertidas e, eu sei que essas são poucas.
Quero bandeiras sobre o meu caixão porque acho lindo quem sabe recolhê-las já dobrando (Império, Portela Botafogo) E aí sim, deixarei todo mundo em paz, porque, sem herdeiros, vou ficar matutando, concentrando energia num jeito de fazer florescer um pé de pimenta no meu último cafofo. É que roseira é coisa de santa, né? Cada um conforme sua vida e merecimento.
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Na foto: Abelardo e Heloisa. Que continuariam separados se tivessem sido cremados

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