2 de set. de 2021

A PROPOSTA


 Era um dos melhores restaurantes do bairro, a decoração era um tanto rústica, a comida excelente e servida em quantidades generosas, sempre bem cheio quase sempre com fila de espera na porta.

Eu namorava uma pessoa que adorava comer e se sentia feliz em me mostrar "o que era comer bem." Fazia dessas incursões gastronômicas um estandarte, é, ela ostentava mesmo. Quem pagava a conta era eu, se não no ato, depois, quando ela me avisava em desespero que o cheque não tinha fundos ou que só dava pra pagar o mínimo do cartão. Nunca me importei muito com isso, lá em casa comer fora era mais ou menos como viajar para o exterior, não cabia no orçamento, um desperdício, quase um pecado. Então eu pagava com prazer aqueles almoços e jantares mesmo porque foi assim que eu comecei a conhecer as coisas boas da vida e as ruins também. Foi o início da minha vida organizada no mundo. Não havia lugar que eu frequentasse que não saísse de lá com um bom amigo ou amiga de infância.
Tornei-me adepta do ritual de comer fora sem precisar de uma data especial para isso. Tornei-me assídua do tal restaurante que tinha um elenco de garçons do Nordeste que eram extremamente simpáticos, respeitadores e que já faziam valer a pena ir ali. Almoçava qualquer bobagem para jantar lá e como o Rio de Janeiro é um ovo, aconteceu que fui trabalhar num escritório de contabilidade que prestava serviço para esse restaurante e eu via o seu dono quase todos os dias.
Um dia, passei lá pra tomar uma caipirinha. Estava sozinha, queria mais pensar do que beber mas a bebida ajuda nos pensamentos. Era uma tarde bonita de um dia lindo desses que a gente imagina que não existe em outro lugar do mundo e meio que se culpa por não estar em condições de aproveitar. Ainda assim, eu precisava pensar. A vida estava estranha, eu não sabia para onde estava indo, percebia que estava sendo levada. Eu e minha caipivodka que poderia ser de rum, não lembro, de cachaça sei que não era, eu não podia beber cana, o santo proibiu. O dono do restaurante chegou sorrindo e perguntou se podia sentar-se pra conversar um pouco. Educadamente disse pra ele que eu estava de saída. Educadamente ele entendeu.
Eu precisava pensar e não queria conversar com um cara que eu conhecia pouco num momento em que me sentia frágil. Eu estava tentando entender porque do nada algumas pessoas da minha família tão radicalmente contra os meus relacionamentos deram pra estender tapete vermelho para a minha namorada. Esse era um assunto que não dava pra perguntar. Por erro meu, talvez, não rolava esse tipo de conversa lá em casa. Sempre fui uma pessoa de momentos e naquele, especificamente, queria conversar comigo mesma e com o meu copo de birita.
O dono da casa se retirou. Não teve a conversa. Ela aconteceu uns dias depois. Ele passou no escritório e me convidou para ir conversar, disse que tinha uma proposta. Eu que já havia conversado com o patrão sobre aumento de salário sem sucesso, certa que era uma pessoa de sorte, imaginei que seria uma proposta de trabalho. Fui pra ouvir ou, como dizia minha avó, "fui assuntar" estava um tanto apreensiva porque até então evitava analisar o que ele mesmo havia me contado, certa vez, que ia ao nordeste e trazia “umas dúzias de homens” para trabalhar no restaurante. Ensinava o serviço porque eram “xucros” e eles dormiam em algum lugar que eu nunca conheci ali, no restaurante mesmo. A situação em si não me chamou tanto a atenção quando foi exposta, só fiquei desconfortável com os termos que ele descrevia aqueles homens que eram da mesma cidade que ele...
Uns risinhos pra lá, uns cerca Lourenço pra cá, quando eu estava distraída e a proposta aconteceu, resumidamente, mais ou menos assim:
Ele era casado (e eu não lembro agora há quanto tempo), amava a mulher e viviam bem, me dizia, mas tinha anseios de pular a cerca e não podia fazer isso de qualquer maneira. O risco era alto, pela posição financeira dele, "perigava de rolar um barraco com uma periguete qualquer" que prejudicasse seu casamento, mas principalmente pelo grande apreço que ele tinha ao seu bilau que "não foi achado no lixo" e mais alguns blá-blá-blás.
Hoje eu tenho vontade de ver que cara eu fazia ouvindo essas coisas que me soavam como atrocidades. De toda a forma, a cara qualquer uma que eu tenha feito não o intimidou. Seguiu falando:
- Eu sei que você namora a fulana, então queria te propor o seguinte: Monto um apartamento pra você, pra gente se encontrar uma ou duas vezes por semana. Um apê bacana, você pode decorar ao seu gosto. Te dou um carro e uma mesada que a gente pode combinar e você não pode arrumar outro cara, tem que ser só eu na parada. Eu sei que você não é chegada mesmo, mas só pra ficar bem esclarecido e outra coisa: Não vou mexer com a sua menina. Se você quiser viajar eu dou um jeito. Conhece o Nordeste?
😮
- Então, rapaz, se você está dizendo que eu "não sou chegada" como me propõe uma coisa dessas?
- Porque eu sou um cara legal, carinhoso, diferente dos caras que você conheceu.
Eu matutava o que ele poderia saber sobre os caras que eu conheci, se é que tinha conhecido algum. Só consegui dizer:
- É?
- É. Não vou fazer nada que você não queira. Tem muito cara mané que não sabe tratar uma mulher. Acaba que você ficou assim.
Eu tentava imaginar o que ele entendia por saber tratar uma mulher, não me parecia um bom tratamento o que eu via ali, ele oferecer à mulher dele.
- Assim como?
- Ah, Roze... Pô, assim. Gostando de mulher. Embora que eu te entendo muito. Porque mulher é bom mesmo...
(Não vou escrever tudo aqui, vou guardar as piores partes pro meu livro).
Como cantava Cazuza, “eu queria ter uma bomba, um flit paralisante qualquer”. Não conseguia encontrar palavras pra responder à altura. Eu era uma garota romântica mesmo não assumindo isso, não acreditava em contos de fadas, mas aquilo era um pouco demais pra mim. Era meio bobona, tinha uma vida um tanto difícil porque me relacionava com uma pessoa complicada, como disse antes, a vida não estava nenhuma maravilha, mas eu ainda acreditava que tinha jeito, um jeito meu de arrumar as coisas. Não achei as palavras certas, até hoje, acho que não respondi direito.
- Vem cá, você já experimentou propor isso pra sua mãe?
Levantei, peguei minha bolsa e saí sem olhar para trás.

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