20 de set. de 2012

GABRIELA, UMA AULA EM FORMA DE NOVELA!





Submissão, maus tratos, desigualdades, de um jeito ou de outro tem que ter a concordância da vítima. Como se dá essa concordância é outra história e nada tem a ver com a culpabilidade da vítima. Essa macrossérie ou mininovela, Gabriela, ilustra com perfeição vários aspectos da evolução da sociedade brasileira. 

As filhas que serviam como moeda de troca para saneamento das finanças das famílias falidas, eram vítimas dos casamentos acertados e, para isso, tinham que ser mantidas na ignorância, logo, eram impedidas de ir à escola, na época, um recurso apenas disponível para as famílias muito abastadas e que ainda assim, deixavam de frequentar quando ordenava o futuro marido. 

No capítulo de terça 18, duas passagens cômicas a despeito de trágicas:1) Recém-casada a moça foi morar com a sogra, a terrível e temível Dorotéia, que invadiu o quarto na primeira noite para a conselhá-la: 

- "Se eu ouvir um gemido que seja, vou falar pra to mundo que tu é quenga e mando Berto te devolver"!

(uma vez devolvida o destino mais provável da moça seria a prostituição ou o convento). No dia seguinte o marido reclama:

- "acho que me casei foi com uma estátua!".

A moça reclama de ter sua intimidade comentada à mesa do café da manhã, direito que não tem (de reclamar).

***

2) Pergunta Dorotéia - de novo ela... para a esposa do Coronel Melk Tavares:

- "Seu marido lhe usa"?

-"Ah, depois de um tempo de casado quase nunca".

Dorotéia, à guisa de disfarçar as intenções que lhe levaram a perguntar minimiza:

- "Já pariu os filhos, não precisa mais ser usada".

***
As mulheres aceitavam o termo "uso" como definição de relação sexual e concordam com todo o contexto. Para uma moça de família era normal, era o certo, casar com desconhecidos,   ter a família remunerada por isso, ver o marido ir para o prostíbulo em busca de um prazer que só as quengas podiam oferecer. O próprio Nassib não percebe o quanto ficou infeliz depois de ter se casado, não repara a prisão que preparou para Gabriela no intuito de tê-la só para si e ser aceito por uma sociedade onde ele era apenas um turco discreto, dono do point onde as novidades fervilhavam.



Os coronéis e seus currais eleitorais, as obras de melhorias que não eram feitas para prover o enriquecimento dos senhores do cacau em detrimento do conforto da população e do progresso. 





Nessa sociedade estimuladora da hipocrisia, adultérios, crimes de honra, injustiças de todos os tipos em todos os níveis, não poderia faltar a caça às bruxas: Procura-se o coronel que dá dinheiro ao "invertido".  No marasmo do conservadorismo mantenedor das riquezas conquistadas à bala e manipulação, o poder passa longe da cultura ou educação e a diversão é a vida alheia que contem aquilo que todos fazem, mas é prerrogativa dos poderosos, então, todo mundo quer descobrir como o professor Josué está com roupas novas e este por sua vez, antes um bobão sonhador, agora se diverte com o jogo de manter seu caso com a "teúda e manteúda" do coronel..

Existe a concordância com a submissão... E a corrupção tem muitas faces, inclusive a do prazer. A pergunta que não me sai da cabeça é: o que exatamente mudou de lá pra cá?Jorge Amado, simplesmente genial! 

Walcyr Carrasco e direção estão perfeitos! É uma aula de história e, como toda aula, aproveita quem se dispõe e se interessa.


A pergunta que me faço, é: Mas o mudou exatamente de lá pra cá?


Os nomes das coisas, os títulos dos atores, a escala das coisas, no mais tudo continua muito parecido. Se na trama há o núcleo dos que concordam, há também os que discordam, há os que apanham po discordar, as que apanham mesmo concordando, crimes sem justiça onde representantes das leis fazem vista grossa. Preocupação com o que os outros vão pensar e dizer. Medo da tortura, da repressão, das consequencias.
O amor, então atributo feminino não deve existir, apenas o prazer e este é de uso ilimitado do homem. Diz Dorotéia ainda para a recém-casada Zuleika, sua Nora: "mulher não deve pensar em amor para se casar". Chama a atenção que são as mulheres as principais repressoras da própria mulher, não à toa todas as violências praticadas pelos homens, foram desencadeadas pelas personagens femininas. Substituindo "quengas" por "periguetes". "Invertido" por "gay". "Coronel" por "mensalão" talvez se tenha uma noção das diferenças entre 1925 e 2012. Note-se que na primeira exibição da novela em 1975, Miss Pirangy, não foi ao ar por ser considerado atentado à moral e bons costumes... Ahn, talvez esteja aí, uma grande diferença: nas possibilidades, não necessariamente nas mudanças.

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