4 de out. de 2012

AMOR GAY



Quando criança de tanto que me mandavam ficar quieta tornei-me algo pior que tímida, fiquei trancada por dentro. Até que numa aula,  todos inclusive eu, descobrimos que eu sabia escrever muito melhor do que era capaz de falar. Virei a escriba da escola, fazia poemas e escrevia lindas cartas de amor para os alunos mais velhos. 

E, como  primeira lição aprendi que só conhecemos alguém realmente quando o vemos atravessar uma dor de cotovelo. 
Dores de amor tem o dom de  revelar caráter assim como um instrumento de tortura. Jovem e inexperiente entendia o amor alheio com orgulho e felicidade como se fossem meus. 
Assistia os amigos enrolados em seduções ou interessados em seduzir, percebia seus desejos legítimos, vontades mentirosas, vaidades verdadeiras e tudo o que eu tinha que fazer era escrever como se ninguém fosse ter amanhã, como se só pudéssemos amar uma única vez. Eu era o gênio da lâmpada que só sabia atender um pedido.

Recentemente, encomendaram-me um texto. Perguntei qual o tema e a resposta simples me deixou feliz: “amor gay”. 
Depois, fiquei pensando porque “amor gay”?
 Como  assim? 
Em que um amor seria diferente dos outros? 
Não, eu não poderia escrever uma crônica dividindo o amor, num momento em que ansiamos pela igualdade!  Seria como fazer um movimento homofóbico ao contrário, cercear nossos próprios direitos aos atos de amor. Criar um gueto do qual brotariam vários manuais sobre a maneira gay de amar.

Os amores não são diferentes, são as pessoas que amam de formas diferentes entre si por ter o amor característica individual  apesar de toda a sua universalidade. 
O gay não é diferente dos demais e não pode se ver dessa forma, dando margem para os sentimentos de inferioridade, dando razão à legião demoníaca de  detratores homofóbicos que certamente são assim por não se compreenderem e por tabela não se entenderem com o mundo.
A minha geração cresceu ouvindo dizer sobre a promiscuidade do gay, como se essa prática fosse totalmente inexistente no mundo heterossexual.  
Minha mãe tinha horror da palavra boate, por achar que o ambiente  equivalia  aos  “inferninhos”, proibidos para pessoas decentes do seu tempo  de  juventude e , no entanto, freqüentados por muitos "cidadãos de bem"... 
Houve uma época (recente, tá gente, por favor!) em que os gays eram empurrados para a noite, tendo como espaço boates, bares e guetos péssimos. 
Até hoje é perigoso andar de mãos dadas, é proibido o beijo em lugares públicos, olhares são repreendidos e se o heterossexual tem no sexo a bênção divina da procriação, para o gay resta a maldição dos encontros privês, a diversão nas boates, o que gerou todo um modo de vida. Muitos de nós precisa conviver até hoje com esse efeito eclipse.
Tudo o que qualquer ser humano deseja quando se apaixona, é estar próximo e tentar de alguma forma fazer parte do ser amado e isso pode durar muito tempo ou apenas alguns dias, às vezes o tempo de uma transa e nisso nada diferem gays e não gays.
Gays querem ter família e hoje contam com recursos para terem filhos, querem dar seus nomes a esses filhos, desejam viver o conforto da segurança através dos benefícios. Interessam-se  pelos tipos mais belos, atléticos, estabilizados financeiramente. 

Gays também se separam tranqüila ou desastradamente. Alguns sentem vontade de morrer, outros de matar. 
Diante da diversidade escolhem seus gêneros preferidos, seus tipos físicos, exercem a sedução ou aguardam ser seduzidos. 
Sem citar a bíblia, me diga, onde exatamente está a diferença  para o amor heterossexual?

Existindo amor gay, haveria  amor negro, amor indígena? 
Amor cafuzo ou mulato?
Talvez quem me propôs essa pauta tenha se referido  apenas ao substantivo, neste caso, falar de amor dispensa  qualquer adjetivo, ainda que  ou principalmente, um adjetivo gay.

2 comentários:

  1. Raquel esposa do 5001106/10/2012, 01:18

    Voce realmente tem o dom da escrita, e uma maneira muitobonita e abrangente de ver o amor. Gostei.

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  2. Obrigada, Raquel pelo carinho. Feliz que tenha gostado. Abraço!

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