Quando criança de tanto que me mandavam ficar quieta
tornei-me algo pior que tímida, fiquei trancada por dentro. Até que numa aula, todos inclusive eu, descobrimos que eu sabia
escrever muito melhor do que era capaz de falar. Virei a escriba da escola,
fazia poemas e escrevia lindas cartas de amor para os alunos mais velhos.
E,
como primeira lição aprendi que só
conhecemos alguém realmente quando o vemos atravessar uma dor de cotovelo.
Dores
de amor tem o dom de revelar caráter
assim como um instrumento de tortura. Jovem e inexperiente entendia o amor
alheio com orgulho e felicidade como se fossem meus.
Assistia os amigos
enrolados em seduções ou interessados em seduzir, percebia seus desejos legítimos,
vontades mentirosas, vaidades verdadeiras e tudo o que eu tinha que fazer era
escrever como se ninguém fosse ter amanhã, como se só pudéssemos amar uma única
vez. Eu era o gênio da lâmpada que só sabia atender um pedido.
Recentemente, encomendaram-me um texto. Perguntei qual
o tema e a resposta simples me deixou feliz: “amor gay”.
Depois, fiquei
pensando porque “amor gay”?
Como assim?
Em
que um amor seria diferente dos outros?
Não, eu não poderia escrever uma
crônica dividindo o amor, num momento em que ansiamos pela igualdade! Seria como fazer um movimento homofóbico ao
contrário, cercear nossos próprios direitos aos atos de amor. Criar um gueto do
qual brotariam vários manuais sobre a maneira gay de amar.
Os amores não são diferentes, são as pessoas que amam de formas diferentes entre si por ter o amor característica individual apesar de toda a sua universalidade.
Os amores não são diferentes, são as pessoas que amam de formas diferentes entre si por ter o amor característica individual apesar de toda a sua universalidade.
O gay não é diferente dos demais e não pode se ver dessa forma, dando margem para os sentimentos de inferioridade, dando razão à legião demoníaca de detratores homofóbicos que certamente são assim por não se compreenderem e por tabela não se entenderem com o mundo.
A minha geração cresceu ouvindo dizer sobre a
promiscuidade do gay, como se essa prática fosse totalmente inexistente no
mundo heterossexual.
Minha mãe tinha
horror da palavra boate, por achar que o ambiente equivalia aos “inferninhos”,
proibidos para pessoas decentes do seu tempo de juventude e , no entanto, freqüentados por
muitos "cidadãos de bem"...
Houve uma época (recente, tá gente, por favor!) em
que os gays eram empurrados para a noite, tendo como espaço boates, bares e
guetos péssimos.
Até hoje é perigoso andar de mãos dadas, é proibido o beijo em
lugares públicos, olhares são repreendidos e se o heterossexual tem no sexo a
bênção divina da procriação, para o gay resta a maldição dos encontros privês,
a diversão nas boates, o que gerou todo um modo de vida. Muitos de nós precisa
conviver até hoje com esse efeito eclipse.
Tudo o que qualquer ser humano deseja quando se apaixona, é estar próximo e tentar de alguma forma fazer parte do ser amado e isso pode durar muito tempo ou apenas alguns dias, às vezes o tempo de uma transa e nisso nada diferem gays e não gays.
Gays querem ter família e hoje contam com recursos
para terem filhos, querem dar seus nomes a esses filhos, desejam viver o
conforto da segurança através dos benefícios. Interessam-se pelos tipos mais belos, atléticos,
estabilizados financeiramente.
Gays também se separam tranqüila ou desastradamente. Alguns sentem vontade de morrer, outros de matar.
Diante da diversidade escolhem seus gêneros preferidos, seus
tipos físicos, exercem a sedução ou aguardam ser seduzidos.
Sem citar a bíblia,
me diga, onde exatamente está a diferença
para o amor heterossexual?
Amor cafuzo
ou mulato?
Talvez quem me propôs essa pauta tenha se referido apenas ao substantivo, neste caso, falar de amor dispensa qualquer adjetivo, ainda que ou principalmente, um adjetivo gay.
Talvez quem me propôs essa pauta tenha se referido apenas ao substantivo, neste caso, falar de amor dispensa qualquer adjetivo, ainda que ou principalmente, um adjetivo gay.
Voce realmente tem o dom da escrita, e uma maneira muitobonita e abrangente de ver o amor. Gostei.
ResponderExcluirObrigada, Raquel pelo carinho. Feliz que tenha gostado. Abraço!
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