16 de nov. de 2012

FIM DE UM TEMPO (fim do mundo)


  Conheci um rapaz de rosto liso e lindo. Falante, decidido, curioso, ávido e cheio de receios. Dava pra perceber que tinha algum talento e falava comigo em nome das suas aspirações artísticas.  Falei pra ele que eu não seria um passaporte para o meio artístico, no máximo, uma tentativa clandestina. Não seria eu uma porta de entrada, talvez apenas, um buraco na cerca de arame farpado  que está entre a competência e a oportunidade. Trocamos telefones e nos falamos poucas vezes, ele me trouxe um samba bacana e queria cantá-lo, como sou alguém que não inventa apenas aproveita oportunidades, disse-lhe que faria a minha  parte: arranjo e gravação de um “clipe”com amigos num local onde o grupo já se apresentava e poderíamos gravar antes de a casa abrir para o público. Ele “amarelou”, queria gravar num estúdio, sem público porque sentia-se tímido.  
Ponto. 

Oriundo do subúrbio, o rapaz me conta uma experiência feliz que teve na Lapa, onde circulou com seu cabelo esquisito e roupas exóticas sem chamar atenção.  
Ele vivia o drama de ser  uma pessoa tímida, portadora de uma  aparência exótica e  com modos difíceis de esconder. Aspirando uma oportunidade artística e com medo de aparecer, sentia-se frágil para encarar um pressuposto deboche, a não aceitação dos outros.   

Ter um dom e querer projetá-lo, nos transforma em príncipes encantados,  cavaleiros defensores da nossa arte. Por ela  (a arte) nos matamos e reinventamos inúmeras vezes e se a paixão é autêntica, temos uma certeza inquebrantável de que venceremos. Adaptar uma coisa ou outra sem relevância para entrar no sistema pode significar que desejamos mostrar ao mundo nossa forma de arte da maneira como a concebemos.
Aceitar a mutilação da nossa arte  em nome de um sucesso garantido pode parecer um príncipe que propõe à princesa um menage-à-trois com o dragão da história...

Abrindo o armárioEncontrando uma nova maneira de amar e ser felizJulio Wiziack






É difícil explicar nesse pequeno espaço, mas é fato que a pressão que pessoas “diferentes”  ou artistas com propostas inovadoras vivem  as conduz para a solução relativamente prática da hipocrisia. 

Quando planejamos enganar o público com um arremedo de nossa própria arte, estamos em princípio enganando a nós mesmos. E como a moda é o fim do mundo, me ocorre que, se o
mundo, informo: se ele acabar, não importa o que faríamos, teremos apenas o que fizemos.

Quem esteve à porta da morte conta que a vida passa num flash, como um vídeo  muito acelerado. E aí, o que se escolher? A roupa austera ou o visual exótico? A arte acalentada ou as propostas -geralmente indecentes - do sistema?  
Se o mundo acabasse, o que você faria? Resposta: "Nada"!.Acabou!
Mudando a pergunta: Quando o mundo acabar,  que lembranças você terá de você? Havendo um Criador a prestar contas, que história você levaria para contar pra ele?  Na falta de comprovação tanto do fim do mundo quanto a forma que nossos atos nos serão cobrados, ficamos com a realidade de como vivemos e das conseqüências dos nossos atos e escolhas. 
O rapaz dessa minha história, pintou o seu armário de cor-de-rosa e salpicou-lhe umas purpurinas, onde vivia seguro engabelando os seus medos de rejeição, mas ainda assim era um armário... 
Se ele soubesse do final do mundo, contaria para os pais que é gay?
Correria para a porta do Projac? Seqüestraria o diretor pedindo como resgate a oportunidade de mostrar seu talento?
Assumiria suas roupas estranhas e seu cabelo esquisito pelas ruas do bairro? 
A gente à vezes se preocupa demais com a gente mesmo, nos protegemos tanto que nos tornamos aquele tipo de pessoa que criticamos e se, nesse intervalo, o mundo acabasse, qual você seria o verdadeiro?

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