6 de jun. de 2009

NINGUÉM SABE O DURO QUE EU DEI - Wilson Simonal





simonal-ninguem-sabe-o-duro-que-deiFalar sobre o que todos já falaram se não inclui exclusividade é imprescindível emoção. Não há como não se emocionar com o Sr.Casseta que fala sério sobre um tema seriíssimo, sobre uma pessoa que não foi levada a sério e que bem pode comprovar a frase de Pablo Neruda “A verdade é que não há verdade”.
claudio-manoel_e_barbara-heliodoraSabemos nós que toda história tem dois lados, mas esta parece que desde sempre só teve um. O documentário bem feito, sem narrador e com edição cheia de “bossa” tem uns pecadinhos na fotografia em alguns enquadramentos nos rostos dos entrevistados, que até pareceram propositais a fim de privilegiarem a emoção em detrimento da técnica. Com entrevistados ilustres (fiquei surpresa ao ver a crítica teatral, Bárbara Heliodora por lá) mostra que Claudio Manoel escolheu um lado, um daqueles dois únicos lados que Ziraldo diz no seu depoimento que havia na época, dois lados e um punhado de fatos obscuros e sublinhados por comportamentos grifados pela intolerância tanto de um lado quanto de outro.
Talvez naquele tempo, debaixo da nuvem de chumbo, não existisse o excesso de representantes dos Direitos Humanos que vemos em ação hoje em dia. Mas parece que nenhum representante dos DHs, ainda que nascido posteriormente tivesse interesse em apurar e retirar do limbo o grande cantor. Foram tantos os pedidos de desculpas, desagravos e indenizações póstumos, que a mim causa estranheza a permanência do silêncio tempo a fora.
simonal-ninguem-sabe-o-duro-que-dei_elencoO documentário nos faz pensar quando um remédio agride mais que a doença, quando a punição vai muito além do crime praticado, quando o punido é esquecido no exílio, na cela, nas masmorras. Sim, em nenhum momento tive a impressão de que Simonal fosse um poço de virtude e inocência, mas o tempo todo senti um tremendo desconforto por ter eu, um dia me posicionado à esquerda.
Ali vendo aquele documentário bem montado, tive vontade de interromper o Ziraldo e cuspir na cara Jaguar (que jamais ele saiba disso para que não tenha um prazer a mais).Tive noção da grandeza de um Chico Anysio e tive vergonha por ter, como todo ser humano, uma capacidade muito maior para julgar do que para entender...


Independentemente do lado que estiveram os entrevistados, todos artistas de nome e que conviveram com Wilson Simonal, fica claro que todos falam com propriedade e tem lá suas doses de razão, com exceção é claro do Jaguar, que não parece ter tido outra intenção a não ser de fazer o merchandising da “birita” engarrafada com o seu nome no rótulo.
simonal-e-malcon-roberts_ficWilson Simonal se agiganta na telona e se torna muito maior que o filme. Dá um pesar muito grande quando os arquivos que o mostram em ação no palco terminam. Pesa muito saber sobre o tudo que ele poderia ter feito e foi impedido. Faz falta ouvir o depoimento de algum cantor da época e, por não ter nenhum, ficamos com a impressão de que a classe artística não anistiou o cantor do “patropi”. A arte/entretenimento não precisa ter conotações, posicionamentos ou fundamentos morais para divertir e deleitar. Naqueles tempos artistas usavam a arte como forma de passar adiante suas mensagens, seus protestos, discordâncias e indignações contra o regime. Para alguns isso poderia parecer uma finalidade, mas a verdade que as obras eram apenas um meio, um instrumento de subversão, no entanto era entendimento corrente que havia dois lados e todos deveriam ser obrigados a escolher. O problema é que nem todos eram universitários, ocupantes da classe média... Ainda assim, mesmo quem não entendesse das correntes políticas que assolavam nosso oceano, precisava se posicionar. Se você não era artista você tinha que ser platéia, diante do talento do Simonal muitos artistas tornaram-se platéia (Sérgio Mendes e seu Grammy que o digam...) simonal_ficNuma época em que o empate não era permitido, Simonal tinha do seu lado apenas a massa, o povo que cantava “Meu limão, meu limoeiro”, cantasse ele outro tipo de música e estaríamos hoje falando de um herói e jamais de um morto em vida torturado e sepultado pela nossa indiferença. Hoje diríamos que Simonal bateu “palma pra maluco dançar” e dançou. Vendeu muito, era popular coisas que os críticos cabeças não gostavam. E se o povo cantava músicas sem conteúdo político, comprava discos de quem não possuía uma causa e ia aos shows sem palavras de ordem, a culpa é de quem canta...


Diante disso tudo deixa de ser importante as verdades e razões. Chico Anysio quer conhecer qualquer um que tenha sido delatado pelo “Simona”. Boni fala do “espírito de corpo” e pareceu-me que essa expressão quase desvenda todo o mistério. Tenha sido forjada ou não essa grande armação, não houve por parte de ninguém o interesse em apurar as verdades dos fatos. Se Wilson Simonal era o agente de direita, porque o sistema não o protegeu? Porque não lhe pagou uma passagem para fazer sucesso fora do país e posar como referência nacional? Ahn, ele não era exatamente o cartão de visita que interessava aos milicos... han-han.
simonal_showmanTodos no documentário assumem a parcela de covardia social vigente na época e assinam embaixo da ingenuidade do cantor. “Ele não pensava que era o rei da cocada preta, ele ERA O REI DA COCADA PRETA!!!!”. Tanto era que acreditava poder atuar como ponta direita da seleção na copa de 70... E quem de nós, tendo o dom de magnetizar um maracanã, seria diferente disto? Simonal não tinha nada a ver com a política, não tinha posicionamento ideológico, ele era uma pessoa com um talento excepcional para música que ganhava dinheiro com isso e só queria viver a sua própria vida o que não era permitido naquela ocasião. Ele queria gastar o dinheiro que ganhava e ganhar mais ainda, como qualquer mortal de origem humilde que vencesse na vida e se deslumbrasse. O cenário artístico deveria estar abarrotados de pessoas assim... Fosse ele politizado e saberia que naquele tempo era proibido gostar de ser brasileiro. O ufanismo era sintoma de direita e à direita morava a ditadura dos generais que vestiam verde amarelo exilando os brasileiros do direito de ser patriotas. Ele não carregava uma bandeira de movimento negro, tinha uns leves olhares nessa direção em função de ser negro, filho de empregada doméstica, achar que tinha o controle da situação e três Mercedes... A propósito, ele viveu a bizarra experiência de ver estendido para si um tapete vermelho na mesma casa onde, quando criança, ele precisava comer escondido a marmita que a mãe escondidamente lhe preparava....


simonalDisse o Sr. Sérgio Cabral que a Pilantragem nada acrescentou à musica popular brasileira, mas alguém com o talento de Simonal teria acrescentado muito a qualquer .Pilantragem ou movimento musical que surgisse, que ele pudesse criar ou participar como agora finalmente parece que estamos prestes a permitir que ele acrescente. A redenção se não tardia, redenção não é.


Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei. Brasil, 2008. Diretor(es): Cláudio Manoel, Micael Langer, Calvito Leal. Roteirista(s): Cláudio Manoel. Gênero: Documentário. Duração: 86 minutos.


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