22 de set. de 2015

Se essa P não virar Olê, Olê Olá...

Eu tinha uns 7 anos. Freguesia, sub-bairro de Jacarepaguá, era um local bucólico, com ar puro e temperatura super agradável, cigarras e pássaros cantando o dia inteiro. As ruas principais do bairro tinham casas rodeadas por quintais, gramados e coisas que hoje foram substituídas por grades guardando prédios com andares muito mais que o desejável. Aqui já não se acorda mais com o canto dos passarinhos. Faz tempo que não vejo os chatinhos dos bem-te-vis à tarde.
Enfim... 
Quando eu tinha uns 7 anos, para ir à praia tínhamos duas opções: 
1) Ir até a Cidade de Deus pegar o 750  (Cidade de Deus x Gávea) no ponto final;
2) Ir até Cascadura (!) pegar o 748 ou 755 ou 753. Essa operação  precisava ter  início por volta das 5, 6 horas da manhã, pois mesmo nesse horário raramente conseguia-se entrar num ônibus ali, na Freguesia que nunca teve ponto final de coletivo com exceção do 267, embora sempre tenha sido um local bastante povoado e abrigando uma classe média alta média e MaB (Metido à Besta). 
Acho que era subentendido que ali todos eram ricos e tinham carro, pensamento irrelevante porque quem tinha, não ia de carro pro Centro que já naquela época não tinha estacionamento e quando tinha era caro.

Imaginem quem trabalhava pros lados da Barra? O 748 (Cascadura x Barra - via Estrada do Itanhangá e de Jacarepaguá) passava tão cheio que o motorista parava porque me achava bonitinha e eu ia pelas curvas da Estrada do Itanhangá sacolejando. Mas isso foi depois quando eu já era bonitinha e trabalhava.

Pois é, minha mãe trabalhava 12x36 o famoso "dia-sim-dia-não" e, dia sim, dia não, ela ia para a praia, único lazer possível para uma mulher que criava sozinha os filhos e tinha 7 bocas pra alimentar em casa. Ela me levava para a praia porque eu era pequena e criança filha dela não ficava sozinha em casa de jeito nenhum se não fosse por motivo de trabalho.
Se atrasássemos uns minutinhos que fossem, a fila enorme, ficava impraticável. Tinha fila "do em pé", tinha "fila do sentado". Cascadura ali ao lado do viaduto era um formigueiro humano em fila indiana fazendo rococó...

A viagem de ida quase sempre até que era bem tranquila. A viagem de volta era um pouco aterrorizante, dependendo da linha do coletivo tinha sim, maior cheiro de maconha que nessa época era o auge da transgressão. Dava pra namorar alcoólatra, mas maconheiro jamais!
E a gente voltava ouvindo o batuque alucinado na lataria do ônibus com aquelas musiquinhas que se tornaram clássicos do cancioneiro da rotina suburbana: "Se essa porra não virar, olê, olê olá! Eu chego lá!!!"
Quebravam os coletivos? Às vezes quebravam.
Tinham dinheiro, portavam dinheiro. Não, não tinham.
Faziam arrastão? Não faziam.
Desrespeitavam os mais velhos?
Sim desrespeitavam os mais velhos. Falavam palavrões, não davam lugar, zoavam mulheres feias, gente gorda, pessoas de idade.
Todos tinham pele escura?
Não. A maioria tinha até cabelo liso.
"Motorista se eu fosse como tu, tirava a mão do bolso e botava... Motorista se eu fosse como tu".
"Eu te amo cocaína eu te amo, meu coração é de Jesus e o meu Pulmão da Souza Cruz!"
(continua)

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