8 de mai. de 2016

OS DIAS DE SER FELIZ

Quem me conhece sabe que sou capaz de trabalhar sorrindo de 12 a 23 horas por dia. Preguiça de trabalho nunca foi uma característica minha, tenho sim, má vontade "preguiçal" com as coisas obrigatórias que eu não gosto. Trabalho, para quem não é milionário, é obrigatório mas eu sempre busquei trabalhar no que gostava ou gostar do trabalho que tinha e aí seguia feliz por mais árduo que o trabalho do momento pudesse ser.
Quando trabalhei na Colônia Juliano Moreira tinha um trabalho árduo e para mim, difícil. Coisas fáceis podem ser muito difíceis para quem está acostumado com as coisas mais complicadas. Não sei se eu tenho uma Cabocla Poliana, mas é fato que trabalhar num lugar com elementos históricos, muito verde, ar puro, bastante animais e a possibilidade de encontrar pessoas, tomar uma gelada sem muito drama ou trama - agendamento, roupa, maquiagem, táxi e dinheiro - faziam com que trabalhar numa função nada a ver comigo fosse mais leve e até prazeiroso.
O tempo que trabalhei como financeiro numa multinacional, tinha tudo o que eu não gostava - agendamento, roupa, acessório, maquiagem, salto alto, o primeiro contato com os tecnocratas de carreira que iam acumulando arrogância, orgulho de usar terno e gravata dentre outras coisas para eles tão relevantes quanto para mim eram insignificantes. No entanto eu tinha uma salário que eu amava e benefícios que me permitiam fazer a alegria da minha gente e "andar pra cima e pra baixo de táxi"!
Quando menina gostava da escola porque lá tinha crianças, era chato porque tinha uniforme Minha avó lavava minhas blusas da escola e engomava de um jeito que ficava parecendo uma armadura. Minha irmã penteava-me os cabelos e colocava umas fitas azul ou branca ou azul e branca de modo a combinar com o uniforme. Minha mãe comprava-me uns sapatos pretos exatamente como exigia o protocolo e eu era uma criança que gostava de estar com outras crianças mas tinha que voltar à casa com cabelo penteado, blusa limpa e sapato sem estar "lascado". Assim, o bom da escola passou a ser estudar, mesmo. E como estudava!
Crescendo um tantinho percebi que não gostava de natal, a princípio por nada, depois, porque ciente da farsa do papai noel, adiantava o lado dele nunca pedindo o que lhe seria pesado trazer. Precisei crescer mais um pouco para descobrir que não gostava era da obrigatoriedade de se estar feliz, ostentar um sorriso, aturar a algazarra dos adultos bebendo, falando alto, rindo de umas coisas que eu não entendia. O natal melhorou bastante quando os sobrinhos nasceram e passei a ter crianças em casa. Para essas festas de fim de ano cada um tinha sua tarefa na cozinha e a minha era tomar conta das crianças para que suas mães pudessem cozinhar e beber em paz. Levava todos para a rua, para a praça, para a cachoeira, para um passeio qualquer. Era ótimo!
Dia das mães na escola era legal! Complicado era levar os artefatos que a professora pedia para confeccionarmos os tais presentinhos da mamãe. Minha mãe trabalhava feito escrava, seu trabalho era bem longe de casa, já havia criado 6 filhos quando eu cheguei feia e mirrada, logo ela não tinha muita paciência para aquelas "coisas de mulheres que não tinham muito o que fazer e se juntavam na porta da escola todos os dias", o que fazia para ela o dia das mães não ter nada de especial - ela até trabalhava por escala, muitas vezes nem ficava em casa no dia das mães.  Para mim era bom e eu entregava feliz o presente que ela recebia com cara de pouco caso mas brilho de orgulho nos olhos. Ela não dizia obrigada porque "não era mais que a minha obrigação" e afinal, o dia das mães era uma oportunidade para outros, pois eu gostava da minha mãe todos os dias. Catava flores no caminho, aquelas amarelinhas e levava pra ela e ela colocava no quadro do Menino Jesus de Praga, santo de devoção de um dos meus irmãos porque a imagem de São Jorge ficava lá muito no alto, quase no teto.
Dia dos pais era sofrido, porque tinha que confeccionar os tais presentes para pais que nunca davam as caras no colégio e ainda cantar musiquinhas exaltando uma figura que eu desconhecia completamente. Era muito mais divertido cantar o hino nacional.
Quando cresci descobri que um dia um comerciante (ou vários deles) diante das vendas em baixa inventou essa comemoração, piorou quando vieram os shoppings, piorou quando os aparelhos de TVs se vulgarizaram tanto quanto as propagandas. O comerciante e suas mídias passaram por cima de uma criança que amava a mãe todos os dias e lhe levava flores roubadas da vizinhança. 
Compre, compre, compre. Filas imensas no calor, ao sol nas portas dos restaurantes que na época de mamãe ainda eram um artigo de luxo e eu ainda novinha não bebia para chamá-la a tomar um chope. Não tinha problema, a família reunida em casa mesmo e os adultos naquela algazarra da qual agora eu já podia fazer parte, o que não quer dizer que participasse efetivamente ou compreendesse aquela euforia da gota. E hoje olhando de longe meio embaçado pela poeira do tempo vejo o quanto minha mãe era amada, nem precisava o presente, bastava que estivéssemos lá, mesmo aqueles que nunca estavam. A gente pode amar o que não gosta, mas não gosto de saber que há datas para fazer o que é da obrigação fazer todos os dias.

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