2 de fev. de 2010

PRECIOSA - Um História de Esperança (Precious)

Preciosa tem 16 anos, é gorda e negra. Mora no Harlem. Seu pai lhe engravidou duas vezes, na 2ª gravidez é expulsa da escola que não lhe ensinou a escrever nem a se comunicar. Teve sua primeira filha aos 12 anos, ela  é chamada de “Mongo” em referência à Síndrome de Donwn da qual é portadora, a criança é criada pela avó. Sua mãe é algo que só vendo para saber, mas recebe os cheques da Assistência Social. Ela sonha ter um namorado mas os meninos a odeiam. Sua vida é um inferno e algo acontece quando vai para uma escola alternativa onde conhece Blu Rain (Paula Patton). Além das estrelas Mariah Carey despida do invólucro de diva glamurosa, de um belo  Lenny Kravitz e do show de falta de humor daquela que aprendemos a ver fazendo humor,  Mo ’ Nique  (Mary, a mãe infeliz de tanta infelicidade) temos muito o que perceber neste longa de temas indigestos e baseado em história real.

Preciosa não é um filme para se assistir, é um filme para se observar,  perceber e  cenas como as da sua chegada da maternidade nos convoca a participar. Saí do cinema, a princípio pensando que o roteiro deixou a desejar, aos poucos concluí que não é um filme denúncia. O roteiro funciona como um mapa onde as situações são caminhos que nos levam a maiores ou melhores (tanto faz) reflexões. Achei o início meio engasgado, até perceber que a ótica mostrada não é a do expectador fora do problema, mas da personagem mergulhada inteira num problema do qual ela não tem plena consciência. Em alguns momentos faltou-me ar. O filme vai crescendo à medida que Clareece Precious Jones (Gabourey Sidibe) cresce através das suas observações nas suas novas experiências, superando suas limitações impostas por uma vida miserável e uma mãe que deixa as madrastas dos contos de fadas com vaga no céu.
O filme critica um Sistema de Assistência Social que assiste sem conhecer quem é o assistido, financiando a desgraça de quem pretensamente fornece subsídios para uma condição melhor. Mostra que um funcionário que goste do que faz cria toda a diferença nos serviços fornecidos e que “casos perdidos” são aqueles que em vez de encontrarem dedicação espremem-se no meio das omissões.
Surpreendente perceber que atos percebidos podem transformar pessoas. Não basta educar, precisa ser educado, mostrar para que serve a educação através do exemplo. A atitude que não se toma pode ser tão veemente quanto uma ação praticada. Alguns valores podem estar perdidos para sempre por detrás dos nossos olhos, se não tivermos um mundo novo para apresentar a quem em fase de crescimento, pareça não ter condições de crescer e muitas vezes é o descrédito e o julgamento que sepulta todo um potencial.
Preciosa é o filme sobre pessoas que aprendem a partir daquilo que vivenciam e de outras que vivendo nada aprendem. Mostra a fuga pelo sonho, pela ilusão, pelo jogo e pela TV. A fuga pela porta da tirania, quando percebendo-se fracassado é imputado  a outro os motivos do próprio fracasso.
O amor pode ser interpretado como desrespeito e se não encontrarmos quem o expresse de alguma forma digna, passaremos a vida inteira achando que desrespeito é uma forma de amor e a violência sua expressão. Quando o seu filho praticar uma ação violenta, observe as suas próprias atitudes…
Confesso que esperava um final mirabolante, animado e colorido como os sonhos da personagem principal, contudo o que assistimos sobre as suas descobertas se torna muito mais grandioso que qualquer sucesso que ela pudesse ter… Afinal, que diabos! Não é uma versão negra e pobre de Hair Spray e ao mesmo tempo que parecem surgir alguns clichês, fica longe o clichê de auto ajuda. A cena final que pode deixar a desejar talvez assim esteja por mostrar que a vida é feita de um dia após o outro e que muitas das nossas vitórias não são comemoradas por acontecerem exatamente num dia como qualquer outro de nossas vidas. Deixa um espaço vago, pois afinal nossa vida não termina…
Preciosa é uma adolescente com vida de adulta que vive numa desgraça sem fim e que ao final de tudo recebe como prêmio uma desgraça maior ainda e que aprende a viver com ela ou apesar dela. Aprende  a ser útil sem ser subjugada. Aceita um destino que jamais supunha e ao final, ao ver perdido pra sempre sua ilusão, seu sonho de menina, descobre todos os grandes motivos para viver.
Emociona quando ela deseja transmitir ao seu filho coisas que ela não conhece e não entende mas percebe que é bom justamente por nunca ter conhecido nada de bom. Conviver com pessoas de um nível melhor pode ensinar mais do que comportamentos, pois se aprende a partir do que não se entende  mesmo que talvez seja um pouco tarde demais para se obter, mas não custa tentar e aí dá-se a substituição do sonho-fuga-pela-imaginação pelo sonho possível.
Ter sido vítima de violência não é necessariamente um motivo para tornar pessoas eternamente violentas, mas estar constantemente em estado de violência e de amor completo, é fatal. Sim, é óbvio, eu sei… Tão óbvio quanto o fato de que não adianta dar um mundo físico melhor se nele não houver a sensação de importância.
Preciosa é capaz de concluir a partir do que observa no seu novo mundo. Se antes nele só havia o aspecto do romance entre homem e mulher, tudo muda vertiginosamente na medida em que percebe o amor que nunca existiu no seu mundo.
O maior gueto está dentro dos que habitam os guetos.
A pior realidade está nos que tem pena de si mesmo e não olham à sua volta.
Aqueles que tendo amor dentro de si, jamais encontraram quem pudesse fazê-lo desabrochar, não encontrarão motivos para buscar uma vida verdadeira e digna.
Clareece Precious (Gabourey Sidibe), em sua limitação fornecida pela vida e família, descobre o que muitos declaradamente sensatos e de mente aberta não são capazes de perceber.
Está tudo ali, mas é bem possível que muitos não vejam.
Sim, havia outros personagens no filme, mas e daí? Algumas performances são magistrais, outras no mínimo interessantes. Como a comediante Mo’Nique consegue chegar àquela carga de drama, bruxa, despertando ódio e asco é algo que só especialistas em talentos poderiam talvez explicar.
O fato é que não se está nunca livre de uma desgraça, mas temos várias formas de passar por ela e que aquele que nunca teve algo de bom para viver pode passar a ter desde que esteja esperto para descobrir que tenha…
Está tudo ali, esforce-se para ver!

Postagem original em: Penso Em Voz Alta 

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