12 de out. de 2010

Travestis Vão Para o Céu

Num fim de tarde, início de noite daqueles momentos em que me dou o direito de nada fazer, fui a um barzinho. Sim, é muito chato ir a qualquer lugar sozinha e bar não me parece local propício a solidão, mas é pra lá que os solitários vão entediar-se com os grupos que comemoram e com os casais que namoram - somos incoerentes sim, talvez porque coerência não nos traga a hexavitória... Nada pode ser mais incomodativo para quem está só do que observar a companhia do outro...  Nesse dia, tive um solitário amigo por uma tarde. É bem verdade que nossas solidões eram diferentes, eu trazia a solidão de quem queria pensar, a solidão benvinda de quem nunca consegue estar só. Ele,convivia com a solidão que espera encontrar algo qualquer ou qualquer alguém que não lhe permita mais estar só. Eu vivo uma solidão lotada de pensamentos e imaginações. Tudo me acompanha, os casarões antigos, o movimento das ruas, o céu azul que nenhum urbano de dia vê, o descanso do que não faço, o cansaço do que desisto de fazer. Meus passeios solitários são repletos de rituais e rituais é coisa de quem está sozinho sem ressentir-se da solidão.
Meu mais recente amigo recém chegado da Zona Sul, estava desencantado com o novo local que escolheu pra viver. Dizia ele que as ruas da Lapa são sujas, que as pessoas são bairristas, que nos bares gays todos formam casais. Bonito e aparentando muito bom trato, ele tinha os olhos inquietos que me davam a impressão de que a qualquer momento me deixaria falando sozinha. Olhos de expectativas e surpresas.
A Lapa o decepcionara, entre tantas coisas por ter botecos extremamente heterossexuais com muito resquício de preconceito e ele tem preferência por freqüentar botecos... Morando num novíssimo condômino com algum luxo e muitas mordomias, recusa-se a manter-se prisioneiro dessas facilidades, trazer para perto demais vizinhos que não precisam sair dali para aproveitar a vida – ele tem razão, condomínios são miniaturas chiques e clean dos subúrbios, com suas piscinas e churrasqueiras, quem deseja isso mora na Barra. Quem mora na Lapa pressupomos que goste de gente, barulho, mistura, esbarrões e algo de história. Em minutos de conversa soube que ele não gosta de Copacabana, promíscua na sua mistura, perigosa com seus pivetes. Também não gosta do Leblon. Oriundo da Lagoa, simpatiza com a Gávea. Percebi que Ele mudou-se de casa mas sua alma não o acompanhou, acostumada que estava com o cheiro de marisia,  admiração pelo endereço respeitável e aquela sutileza que vemos nas novelas das oito.
Num certo momento ele me conta que descobriu, na Lapa que o travesti é triste. “São tristes e solitários” disse ele, e eu me peguei dizendo que eles têm todos os motivos pra isso. O travesti não existe fora do seu conceito e contexto, habita o mundo do preconceito mais cruel e imagino que ele espere a noite, onde “todos os gatos são pardos”, chegar para poder viver. O sol do travesti são os holofotes do palco, tadinho dele se não for artista! O travesti não tem vida, tem momentos. E imaginei que o céu deve estar lotado de travestis, anjos de longos cabeleiras, rosados batons, nenhum sexo e túnicas cobrindo seus silicones, pois já vivem aqui nessa vida, no limbo. Já cumprem aqui nesse mundo suas penas, o que os libera do umbral. Já padeceram no inferno da nossa ignorância, indiferença, implicância, arrogância, preconceito. Pensando assim, concluo que se Deus é bom e o céu existe é pra lá que os “travecos” vão!

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