6 de ago. de 2014

FOGO AMIGO. É fogo, amigo! | E o tiro de defesa do negro atingiu a cultura negra

O preconceito é tão arraigado, como diria Jean Willys, introjetado, que se torna uma verdadeira armadilha até para as suas vítimas, seus ativistas, aqueles que se declaram contra ele. Não importa qual o preconceito. Se é brasileiro, nascido, criado, educado, escolarizado no Brasil é quase certo ter o seu. 
Eu  que sempre achei essa coisa do politicamente correto uma chatice danada! Às vezes me pego pensando que esses chatos além de terem lá suas razões (porque todo mundo tem) acabam tendo razão mesmo... Por aqui brinca-se muito com coisas sérias mas, quem de nós nunca pronunciou os tais ditos populares que "brincando dizemos as verdades que não temos coragem de falar a sério"?  "Embriagados dizemos o que pensamos quando sóbrios"?
Somos tão galvanizados no preconceito que nem percebemos quando ele se manifesta. É normal, é assim mesmo, é só uma brincadeira, podemos estar simplesmente repetindo, sem refletir, um jargão que ouvimos desde a infância, simplesmente porque na nossa nunca fomos atingidos pela pedrada que ele (o jargão) é.

Da cartilha do politicamente correto não gosto da terminologia favela ter sido substituída por comunidade. Acho favela uma palavra bonita, sonora, musical que se soletra mesmo sem querer. Seria tão mais interessante dar dignidade à favela do que apenas substituir a palavra. Comunidade é tudo, e ao transformarmos a favela em comunidade não percebi na prática a comunhão entre os bairros nem entre as pessoas. Não sei se aprecio totalmente a forçação de barra de chamarmos as pessoas negras de afro-descendentes o tempo todo, que em algumas ocasiões me soa tão hipócrita quanto o antigo termo "cidadão de cor" com o qual minha finada mãe que nunca me pareceu racista, definia/descrevia algumas pessoas, imagino eu, aquelas que se sentiriam ofendidas em serem chamadas simplesmente de negras.
Algumas vezes meditei sobre a maneira de as pessoas falarem "negra linda", "loira linda" sem entender porque não simplesmente: mulher linda. Essa forma de falar como se fosse uma exceção a beleza nas negras assim como o bom caráter que empresta "alma branca" aos negros e todas essas terminologias tão hipócritas que até entendo que educar por força de cartilha talvez seja um caminho para se chegar ao respeito, só não avalio o quanto de percurso irá ser acrescentado por conta dessa hipocrisia.

Todas as vezes que me disse negra, sempre tinha alguém que me corrigia: "você não é negra, você é morena" e isso sim me deixava chateada da vida. Afinal o que é ser morena? Para mim morena era a pessoa que não era loira. às vezes aquela que se torrou na praia outras, carne assada tostadinha, Simples assim. E como consequência da minha geração, a palavra mulata, sempre veio à minha mente como aquelas poderosas mulheres que sambam como ninguém e a culpa disso deve ser do Oswaldo Sargentelli. Felizmente pra mim, mulata me remete à beleza de uma passista no samba e não à cria da mula.


E já que chegamos na mulata e no samba,  li um dia desses uma publicação criticando uma futura produção que irá ao ar na emissora "líder em audiência". A crítica pelo fato de 4 atrizes negras protagonizarem papéis de humildes trabalhadoras como camareira, cozinheira, operária e costureira. Um debate é um debate mas nem debati, bem pouco teria a acrescentar na enxurrada de centena e meia de comentários que recebeu a publicação, a não ser que a TV mostra o que o povo assiste, o povo que assiste compra o que o patrocinador anuncia e é de anúncios que vive a emissora. Outra coisa que até não faz tanto tempo assim, é que atores brancos caracterizavam-se como negros, pintando-se de preto - não havia um ator negro bombando na ocasião. Claro que doía o coração ver Ruth de Souza, Léa Garcia e tantas excelentes atrizes negras eternamente vestidas de mucamas ou com os ridículos uniformes de empregadas domésticas fazendo papéis secundários. Claro que ainda estamos muito longe do ideal. O lado positivo é que tem negro à beça que estudou para ser ator e o espaço vem se fazendo aparecer com luta e insistência e, o erro está na ânsia da nossa população de ver-se brancamente embranquecida.
Voltando ao samba, no artigo publicado tem uma frase que me engasgou e me irritou tanto quanto o autor deve ter se irritado ao saber da produção de um seriado envolvendo 4 atrizes negras em papéis "inferiores". A frase é:
(...) "associar a população negra à pobreza, favela, ao samba e etc". Qual o problema em associar-se a população negra ao samba? O que há de errado com o samba? O que haveria de errado nessa "associação"?
Então meu comentário foi diretamente ao ponto que me incomodou:


Se o samba mais que música, é cultura da nossa matriz africana, zero de problema sermos associados a ele, não acha? Penso até que não se trata de associação, nem mesmo de coincidência... 
Há sambistas e pessoas que gostam de samba de todas as cores e poder aquisitivo. Há as que são negras, de classe média que consomem artigos de preços elevados também, inclusive com poder aquisitivo suficiente para pagar umas centenas de reais por shows de sambas nas casas badaladas do Rio.
Penso que lá como cá, cada um com seus preconceitos. Ele reside em nós. Infelizmente...

Acho que o autor da postagem deixou às claras o seu preconceito contra o samba e a sua ignorância quando à origem do samba e não vou inventar de falar sobre o embranquecimento a que nós negros somos forçado, porque quem fala bem sobre isso é o Sr. Nei Lopes. Claro que as pessoas, principalmente as negras, não são obrigadas a gostar do gênero, mas há que respeitar a cultura. 

Hoje, voltando à página que hospeda o texto, por sinal é um site autodefinido como "de combate ao racismo, preconceito, discriminação e violência contra mulher - em defesa dos direitos humanos" é que observei  a rápida descrição do colunista e não deixei de achar curiosa: (...) "Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins". 
Não sei por que não li isso ou não percebi,  na ocasião que comentei a postagem do colunista. Ainda bem, afinal, a dicussão é sobre o programa de TV e o preconceito Global, nem local, nem mundial, apenas global, aquele que reside numa logo prateada que faz um irritante plim-plim

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