31 de mar. de 2018

JESUS NÃO ESTAVA NAS LOJAS AMERICANAS

Sexta-feira santa caminhando pela Estrada do Portela, reparei a Lojas Americanas aberta e já passavam das 18 horas. Acreditam que fiquei chateada?

Lembrei de um professor de OSPB que tive na sexta série. Moreno, alto forte, barbudo, de cabelos cacheados, lindo, lindo, encantador feito um cigano, Professor Pedro. Foi dele que ouvi pela primeira vez os conceitos de capitalismo e direita mas foi só uma lembrança rápida e vaga. Depois pensei que é assim que se soterra uma tradição, que se "descredibiliza" 😲    | uma fé.


Vi aos montes nas minhas redes sociais, pessoas mencionando memórias de uma Sexta-Feira Santa que era muito mais que um mero feriado. Nos relatos havia vivência em família, costumes respeitosos às coisas que de verdade ninguém sabia direito, como as consequências de se falar um palavrão, fazer bagunça, brigar com o irmão, mas como quase toda sexta da Paixão chovia, a gente não insistia...

A gente ia à missa pra pegar o raminho do Domingo de Ramos, minha avó colocava na porta e quando tinha tempestade ela queimava um tantinho das folhas. Meus irmãos passavam a madrugada de sexta pra sábado montando judas com roupas velhas do pai e escrevendo os nomes dos cornos, dos fofoqueiros, dos políticos; até lembro que o Negrão de Lima sempre entrava no pasquim do judas. Nessas sextas, o café era preto, sem leite e o pão só com um pouquinho de manteiga. O som não podia ser alto, minha mãe colocava chorinho, um LP do Waldyr Azevedo que era a música erudita lá de casa. Até meio dia tentávamos ser calmos, discretos, silenciosos, contemplativos. Eu gostava da parte de não precisar varrer a casa e o quintal pela manhã. Minha avó contava histórias de crianças que responderam mal aos mais velhos e o chão se abriu engolindo elas e suas falta de modos. A ansiedade pelos ovos de Páscoa, a gente disfarçava na sexta-feira santa e esquecia no sábado de aleluia mediante a euforia da malhação de judas e a expectativa da reação das pessoas que tinham os nomes citados no boneco. 

Uma vez, minha mãe que teve uma infância difícil contou-me que já trabalhava aos nove anos de idade e na casa dos patrões, "esqueceram" dos ovinhos de páscoa para ela, vendo como ela ficou triste ao ver os filhos dos patrões recebendo seus ovos, alguém lá da casa (grande) cozinhou uns ovos de galinha, tingiu-os com anilina, escondeu no quintal e mandou que ela procurasse. Ela sempre falava da alegria de ganhar esses ovos coloridos, eu ouvia como mais uma das histórias, mas hoje choro quando a lembrança me traz sua voz e seu rosto contando essa barbaridade.


O Cristo que andou com "galera", mudou água em vinho, perdoou as prostitutas e delas foi amigo, expulsou os vendilhões do templo, deixou um único mandamento de amor, não estava na Lojas Americanas de Madureira, ontem sexta-feira, dia 30 de março de 2018 e dificilmente estará nas nossas vidas dessa forma amiga e de paz. Não haverá alguém sensível o suficiente para consolar uma criança com ovos de galinha tintos de anilina.

O patrão e provavelmente na história de minha mãe, a patroa - como no filme "Que horas ela volta" transmigrou pro atacado e varejo e anuncia com orgulho que no feriado destinado à reflexão e quem sabe oração, funcionará em horário normal, afastando tantas pessoas da família, da possibilidade de reflexão, oração....

O judas que não se malha mais, se alojou numa sombra de alma arrependido com o que fez de nós e os patrões nos põem a trair a nós mesmos em troca de umas moedas prateadas e poucas notas azuis, que mal confortam o estômago muito menos o coração.

É, Professor Pedro esse capitalismo vai acabar com a nossa humanidade, sim.

F E L I Z   P Á S C O A, queridos amigos!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Fique à vontade pra dar sua opinião.