31 de mar. de 2018

QUANDO CAMINHAMOS POR MONTANHAS














Fiz silêncio, muito silêncio. 
Jejuei, pensei. Fui à missa.
"Essa é sua casa Senhor,
Nela viveremos com alegria".

Tomei banho de ervas.
Manjericão, louro, alecrim, macaçá
Fazem a tristeza passar
Tudo verde bem quinado
um banho bem gelado.

Conversei com Vovó Cambinda, 
queria saber onde ela estava no tempo que Cristo vivia, ainda
Defumei a casa depois de meio-dia, porque aí, podia.

Rezei um terço inteiro.
Fazia silêncio dentro de mim.
Ouvi Kitaro todo tempo, 
ele me deixa assim.

Lembrei da infância e descobri que não foi feliz, mas nela havia pessoas boas, então não foi de todo ruim.
As pessoas boas nem sempre têm tempo para bondades.
Olhei para trás e só vi montanhas. 
Em algum lugar, lá muito longe, 
distante com certeza, 
tinha uma janela.
Passei foi por ela,
Eu, e a minha coroa de princesa
A menina que corria pela casa, andava aos saltos rindo de nada e para tudo e se achava feroz, jamais teve uma porta por onde passar ou se teve as ignorou, porque ouvia música. Trazia sempre o dedão do pé, sem a pele, esfolado de topadas.
Tinha sempre um bicho pra conversar e nenhum adulto pra ouvi-la. Era um tempo que os adultos comandavam, ordenavam, ditavam o que nem sempre era fácil entender ou fazer.
O quadro de São Jorge, de gesso, esculpido em alto relevo, lá alto, muito alto, quase chegando ao teto da sala,
de frente pra porta, como deve ser, com a lampadinha vermelha eternamente acesa jogando no fio de contas brancas e verdes sua cor de sangue... 

Pedra de raio, pedra de rio, pedra de mar.
São João e seu carneirinho olhando pra baixo a me vigiar.

O cheiro de defumador atravessou minha mente,
defumou minha infância inteira, esclareceu meu coração, me elevou. Assim, percorri todas as montanhas que eu nunca percebi que eram os meus caminhos.
Não se sobe uma montanha sem descer de outra. 

Altos e baixos como a água que um dia 
mora na poça, no rio, no mar;
No outro, é nuvem pra anjo brincar;
Mais tarde é louca, é vida é chuva 
e em cima de nós vai se jogar. 

Tudo o que fazemos, recebemos.

Mirra, alecrim, assafete, arruda, patuá
Quando Cristo andava pelo mundo
Vovó já estava por lá.

Foi um dia intenso, não tenho mais sono
No entanto tenho muito, muito, muito sonho.
A menina ainda tem um andar estranho
Sorri pra tudo e todos de qualquer maneira
Mas traz no pé a cabeça do seu dedão inteira.

E quando Cristo morreu, por onde andava, Vovó?
Ela era jovem não tinha toco, 
não tinha tronco, me olhava, não me deixava só.


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