morro Dois Irmãos lá no final da Juliano Moreira. |
Estranhando agora porque antes, há muito tempo, quando eu morava aqui já estava acostumada às caras de estranhamentos, exclamações e perguntas ridículas como "mas por que você mora lá?"
Naquele tempo, Jacarepaguá, mais especificamente o sub-bairro, Freguesia, era um local onde todos se conheciam. Que eu me lembre havia duas escolas públicas, uma bem antiga ainda na forma de um casarão amarelo de janelas verdes ou azuis (a cor da janela realmente eu não lembro), que nos fundos tinha uma mata em miniatura que dava acesso a uma das vias principais do local e era interessante ver os alunos surgindo do mato uniformizados para a aula. Na frente desse prédio à forma de casarão, construíram um prédio muito moderno com 4 andares e foi nele que estudei, numa turma que praticamente inaugurou essa escola, que era separada da antiga por um muro e uma frondosa mangueira. Ao lado uma passagem tão larga quanto uma rua, dava acesso às duas escolas, ao lado dessa passagem, um terreno cercado por arame utilizado como estacionamento e mais algumas árvores. Anos depois o casarão antigo seria demolido e no seu lugar construído um prédio similar e o acesso clandestino, pelos arbustos acabou também. Acredito que tenha sido construído alguma coisa no lugar das árvores, nunca soube, pois não frequentava a outra escola. Mas descrevi essa arquitetura, porque o que não faltava em Jacarepaguá era espaço! Daí eu nunca ter compreendido muito bem porque tantos prédios, porque tão altos, sem varandas, que era o modismo da época, mas a gente de Jacarepaguá nunca foi muito lá de moda, não...
Sempre dizia que Jacarepaguá era uma província, tudo lá era muito característico. Vi por pouco os ônibus elétricos que chamávamos de "chifrudos" circulando e sendo substítuídos pelos "diesel", os rabos quentes (porque tinham motor na traseira e "gemiam" pra subir a Grajaú - Jacarepaguá, que chamávamos de "Serra". Os lotações (só tinham uma porta), depois ônibus com entrada de passageiros pela traseira. as fichas de plástico que comprovavam o pagamento da passagem, cada uma de uma cor diferente, conforme o trajeto pago e deveriam ser mostradas em caso de fiscalização, depois substituídas por um ticket numerado também colorido. Vi a galera tocando samba, tocando rebu, tocando terror na cozinha do busão. Na ida da praia fumando maconha, substituindo as letras das marchinhas por palavrões e paródias engraçadas.
A gente não tinha medo. A rua que eu morava com casas até certo trecho, ocupavam apenas um lado, não tinha saída para carros, apenas uma escadinha escavada no barro vermelho que produzia uma poeira fina e até romântica - claro eu não precisava limpar a casa nessa época... Estranhava as famílias com poucos filhos. Nossa, lá parecia uma fábrica de crianças! Vi a água encanada chegar, a luz nos postes, nas residências. Não eram grande coisa, ainda era interessante manter um poço artesiano no quintal com bomba daquela manual e era obrigatório manter-se lampiões, lamparinas ou velas, porque faltava muita luz e raramente a "água tinha força pra subir" a rua e fluir em todas as casas.
As casa foram melhorando, os quintais iam diminuindo na medida que a gente crescia e que os filhos iam construindo suas meia-água neles. A gente não era tão pobre, minha mãe tinha carnês da Bemoreira, da Ducal, da Brastel e assim às prestações a casa foi reformada e os móveis nunca chegaram a ficar em condições deploráveis, mas claro tinha gente mais rica do que nós, porque sempre tem. Lá do lado dos ricos, as casa imensas dúplex ou não mantinham piscinas nos fundos e gramados na frente. Mas seus filhos estudavam na mesma escola. Era uma democracia bacana de ver, até flertei no auge da maturidade dos meus 9 anos com o filho, loiro com anel de ouro no dedo de um general. Os muito ricos ou muito bestas punham seus filhos em colégio particulares,lá havia alguns, mais do que públicos. Tinha escola particular pra endinheirado e escola particular para quem não segurava a onda de sem manter na escola pública, naquele tempo bem "puxada".
Quando os primeiros prédios se ergueram eram "altos e magros" e o glamour ficava por conta da portaria eletrônica e saguão espelhado. Serviam para recém-casados, para quem comprava moradia por financiamento e para migrantes de outros bairros, porque a gente não abira mão de ter casa, varanda, cachorro, quintal e espaço.
Na padaria "Fiel", tinha a dona Margarida, quase mulata de cabelos black power pintados de verlmelho ou como dizia-se na época "à caju". Ela tinha cara de quem curtia um pagode, e atrás daquele balcão cortando presunto, mortadela e queijo bem fininhos sabia de tudo, comentava com alguns, não raro ouvir sua gargalhada gostosa com alguma senhora, cliente antiga. Tinha o seu Paulista, Viram-me crescer e todos nós vimos o bairro engatinhar para o crescimento e a fila que só acontecia quando eles anunciavam que o pão fresco já estava por sair começou a ser constante e nessa fila já não tinha mais tantas caras conhecidas para irmos conversando enquanto aguardávamos o pão quentinho que já chegava em casa faltando generoso pedaço...
A minha saída do bairro foi consequencia dessa fila, da fila no ponto de ônibus, da fila de carros que passou a ser formada na "Serra", das longas viagens em pé nos coletivos, a demora no retorno para casa, depois de um dia longo de trabalho.
Adolescente, vi o quintal, a casa e o terreiro de umbanda da D.Elza, primeira casa da rua ser demolido e também suas árvores todas frutíferas, até o pé de carambola! Ali percebi que não valeria a pena tanto sacrifício em horas de viagem apertada em pé num coletivo. O bairro já tinha gente estranha, os amigos já estavam casando e se mudando, mas entrar na "minha rua" sem D.Elza no portão a cumprimentar-me, chamando meu nome sempre no diminutivo e sem receber as suas carambolas, uma das frutas mais lindas que Deus criou, era demais!
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