Eu aprendi a ler muito bem numa escola pública, na época de administração estadual onde estudavam crianças de famílias de poder aquisitivo, alto, meninas que ia pra Disney nas férias. A gente fazia cópia, ditado, interpretação de texto frequentava biblioteca da escola, tinha aulas de música e a de teatro era opcional.
Também estudavam lá, crianças hoje ditas carentes que pegavam seu material de um recurso chamado "caixa escolar" que na minha lembrança era um envelope vertical pardo, que a criança levava pra casa e devolvia com uma quantia dentro, não havia valor estipulado. Essa renda servia para custear material escolar e uniforme para os menos favorecidos. Havia rigor para com essa coisa do uniforme e a gente fazia forma no pátio e cantava o Hino Nacional Brasileiro. A gente tinha a professora que ensináva-nos a cantar o Hino sem cantar colo-ôôô-osso, além de explicar cada estrofe do que cantávamos.
Esta escola ficava na Freguesia, uma área té hoje considerada nobre do bairro de Jacarepaguá e tinha nome de um ditador: Antônio de Oliveira Salazar. Nada demais para um país comandado por ditadores.
Meus estudos sofreram o impacto da reforma do ensino, aquela que acabou com o sexto ano, chamado de "Admissão" (ao Ginásio).
Ginásio era uma fase de estudos situada entre o nivel fundamental - de primeira à quinta série e o segundo grau, que os antigos chamavam de "Científico". Para ingressar-se no Científico fazia-se uma prova, tipo vestibular. Para se "ir pro ginásio", cursava-se a sexta série e fazia-se prova igualmente. Daí era comum os menos abastados, pararem no quinto ano e já serem "letrados".
Fazendo-se um segundo grau dava pra ser bancário e virar bom partido! Professora formada pelas escolas profissionalizantes como Carmela Dutra e Instituto de Educação eram admiradas e respeitas, ostentando o anel de formatura cheio de simbologia, uma pedra preta (ônix) e uma estrela prateada no meio. O conteúdo curricular desse ensino perdido no passado, era tão consistente que a gente aprendia a ler e entender o que lia e aos mais agraciados era concedida a dádiva de assistir o noticiário e questionar a tendência e veracidade da matéria.
Estou falando dos anos 70. Época reconhecida pela repressão pesada, pelos atentados plantados pelo governo com vistas a culpar os "subversivos", por exemplo Rio Centro, Dia do Trabalhador.
Nessa ocasião o ensino das escolas públicas eram tido como "mais forte" que o oferecido pelas instituições privadas, existia até a frase "pagou passou".
Enfim, os revolucionários daquele tempo eram meninos que podiam ir à faculdade, eles não tinham que trabalhar para ajudar nas despesas de casa, como aqueles outros que mesmo tendo algum posicionamento político, tinham uma preocupação maior que era pegar o 267 ou 241 com marmitinha quentinha e ir trabalhar.
Tantos anos depois, sentimos ausência do povo na rua e acomodamo-nos na crítica que brasileiro só faz fila pra comprar ingresso pro Maraca e pra Sapucaí... Falamos mal dos jovens que vão às ruas na marcha da maconha, falamos mal dos caras-pintadas, falamos mal da Fafá de Belém que foi musa das Diretas, falamos mal do povo que não sabe votar, falamos de toda e qualquer manifestação musical, cultural que não seja a nossa preferida.
Pois bem que a criançada está indo pra rua.
Pois bem que tem sempre um catiço da política tirando proveito e uma mídia escrota jogando as tendências para onde lhe seja favorável. No fundo parece-me muito confortável, estar diante de um teclado defendendo ou criticando, emitindo opiniões, foi assim até com a Aldeia Maracana. Enquanto discutimos o PIB diminui e o Ike cresce, a vaga no hospital desaparece.
Nós trabalhamos e custeamos o que nos é necessário à nossa vida e da nossa família, enquanto políticos recebem salários enormes e ainda tem o "agradinho" para dentista, roupa, transporte e sei lá mais o quê.
Talvez no fundo o que queira dizer é que, alguém transpôs o limite entre a crítica e revolta oral e pôs o pé na rua. A polícia que exercia a truculência nas comunidades, vista esporadicamente por um ou outro xereta-de-celular-cinegrafista
Qual o problema de um moleque de classe média ir às rua protestar? O que fazem com o trabalhador que não acata a greve por medo de faltar o (pouco) pão à sua família?
As pessoas aqui, falam de brasileiro como se fossem legítimos arianos. Falam de povo como se pertencessem à realeza. O usuário do ônibus se acha muito melhor que o usuário do trem e quem anda de metrô age como se andasse de liteira. O usuário de álcool fala de maconha como se álcool fosse água benta e o fumante é tratado como apenas um mal educado nacional.
Se pensarmos que o Brasil é gigante adormecido por falta de liderança que consiga unir esses 8.515 767 quilômetros quadrados...Mais as pessoas que vivem neles...
Se pensarmos que dentre os exilados políticos saíram algumas das personalidades do mensalão...
Se pensarmos que vários discordantes do sistema ditatorial, não necessariamente militantes sumiram, desapareceram, morreram apenas por não aderirem e outros tantos tiveram destino trágico por queixas derivadas de briga de vizinho e/ou falta de simpatia...
Se pensarmos que Cuba é uma maravilha para os apreciadores do seu regime mas é umas 3 vezes menor que o Rio de Janeiro... Falaríamos menos asneiras, incluindo eu, que se pensasse não escreveria isso tudo aí em cima...
Quando a ditadura mexeu no ensino público ele só o piorou, obviamente não tinha que se formar cabeças pensantes para questionamentos desinteressantes para quem está mandando. Mas quando a Democracia chegou, o que ela fez pelo ensino público?
Quando as instituições privadas começaram a reinar distribuindo oportunidades universitárias, não houve preocupação de analisar a qualidade do resultado dessas formaturas, afinal era apenas um novo nicho de mercado se abrindo.
Quando o povo foi às urnas, ninguém, talvez com exceção do Brizola e Darcy Ribeiro, teve a preocupação de "formar" nesse povo a consciência do que era o votar.
Apenas muitas camisetas, promessas de empregos, dentaduras e favorecimentos depois, falou-se abertamente sobre o assunto, sempre culpando-se o povo que negociava seu voto e isentando quem o comprava.
Voltamos à democracia (essa que temos hoje, essa mesma do voto obrigatório, tão flexível que o voto nulo não tem respeito) não houve nenhum tipo de planejamento para se substituir o regime impositivo que imperava. A transição, como a anistia dos exilados, não foi ampla geral e irrestrita, foi tão lenta e gradual que vem se estendendo até hoje. Essa falta de projeto faz com que qualquer idéia adotada visando resolver um problema imediato, seja vista como boa...
Se a bolsa-família é uma boa idéia porque bota uns grãos na mesa dos miseráveis, porque ir à manifestação como revolucionário de butique não é?
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