No carnaval de 1964 eu não havia nascido mas eu sei que
"Aquarela Brasileira" de Silas de Oliveira do Império Serrano tido
como um dos 3 melhores sambas de enredo de todos os tempos não atingiu a nota máxima, perdendo 2 pontos
na avaliação do julgador do quesito letra. Teve nota máxima no quesito melodia.
Jornalistas publicaram sua indignação em veículos de grande expressão na época
como a revista Manchete, Jornal Última Hora e O Globo. Lideranças de outras
escolas de samba manifestaram-se contra o absurdo da falta de sensibilidade de
um jurado especializado que não sabia reconhecer uma obra-prima. Silas de
Oliveira ainda era pouco conhecido, não tinha o nome na mídia e o Império
Serrano ficou, se não me falha a memória do que eu não vivi, com um quarto
lugar muito desmerecido.
Em 2004, eu não só já tinha nascido, como presenciei a
reedição do samba que fazia como eu, 40 anos. A LIESA comemorava 20 anos de
fundação e o Sambódromo completava seu vigésimo carnaval, permitindo que a escola da Serrinha
reeditasse o samba de Silas que Martinho da Vila colocou à luz da mídia quando
o gravou no seu LP Maravilha de Cenário 29 anos antes.
Eu não só me empolguei com a possibilidade de estar na
avenida ao som desse hino brasileiro como fiquei louca de alegria ao ver que o
Império Serrano apresentava ali um formato de desfile como era lá antigamente. Sem as filas ao
estilo militar, componentes soltos, átomos de alegria, energia e emoção
disparados por toda a Sapucaí que eu nunca vi cantar tanto um samba como
daquela vez e ainda com coreografia de braços elevados e mãos indicando
"este céu azul de anil, emolduram em aquarela meu Brasil"...
Daí, que foi feita a justiça ao samba-letra-e-melodia de
Silas mas ficou faltando emoção,
compreensão nas notas à Serrinha que não voltou nas campeãs amargando um nono
lugar. Se tem uma escola que é diferente das outras é o Império Serrano. Ela
tem jeito de povo, garra de povo, sua história é costurada pela garra,
determinação comuns às gentes do povo. Nos desfiles mais recentes, no Acesso,
lá, antes da Sapucaí fazer a curva, eu olhava as arquibancadas vazias e me dava
um frio no estômago. Como assim, o Império vai passar com tão pouca gente pra
ver? Gente de fora, agarrada nas grades, berravam na minha orelha:
- Canta, porra! Isso é império serrano
- Vai Império!
- Eu amo o Império!
- Minha escola
- Sou escola X mas adoro o Império!
E por aí, ia.
Quando finalmente eu botava a cara na entrada do Setor 1, as
lágrimas desciam e o sorriso brotava abundante, as arquibancadas estavam cheias
de gente pra curtir a escola da Serrinha. Ah, isso é mais inesquecível que qualquer foto que tenha
saído em algum site, revista ou jornal!
Aquele povo vestido com simplicidade, lata de cerveja na mão
a gritar Impéééério, os que ficam na "arquibancada do fedor", os que
transitam à margem do sambódromo nas barracas e botecos que nos cumprimentam
quando saímos da Avenida e perguntam como foi o desfile ou simplesmente dizem
que foi maravilhoso. Esse povo que se junta à frente das TVs com recepção péssima de imagens de uma transmissão duvidosa, comentários aleatórios de profissionais que não conhecem o riscado, cortesia dos barraqueiros e condescendência da Casa Grande para a Senzala, é muito, em parte, boa parte do povo que
só tem direito a isso mesmo da nossa cultura que é deles, isso e poder assistir
aos ensaios técnicos gratuitos porque o desfile há muito tem preços para eles
inacessíveis.
NÃO ROUBEM DO POVO O
DIREITO DE VER SUAS ESCOLAS! ENSAIO TÉCNICO JÁ!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Fique à vontade pra dar sua opinião.