15 de out. de 2020

PROFESSORES FORA DA CAIXA

 

Fiz o Curso de Formação de Professores, na época, ainda chamavam de "Normal", na Escola Normal Carmela Dutra, na ocasião chamada "Centro Interescolar Carmela Dutra. E fiz porque descobri que minha mãe tinha o sonho de ter uma filha professora.

Prestei também concurso para ingressar no Pedro II, porque o meu melhor amigo na época, quase um namoradinho, fez essa escolha. Mas o que é um quase namoradinho diante do sonho de uma mãe? Principalmente porque eu era a última chance de ela ter esse sonho realizado.

Saber que no Curso Normal só teria aulas de química e física no primeiro ano foi uma felicidade, constatar que me livraria da matemática antes do terceiro ano foi outra alegria. Eu era uma adolescente estudiosa mas não era santa. Nada de martírio e fiquei feliz, sim! Essas aulas eram substituídas pelas Didáticas e eram muitas as didáticas! Também tinha psicologia, sociologia e muitas aulas que eu não teria num segundo grau "clássico".

Eu era uma moça linda, louca e desajustada, criada como passarinho na gaiola, carregava uma timidez elevada a muitos quadrados. Praticamente um bicho do mato. Estar numa escola com muitas mulheres- eram só dois garotos nos três turnos, foi uma experiência muito enriquecedora pela liberdade de expressão que tínhamos em todos os momentos fora e dentro das aulas. É porque o homem já era dono do mundo e foi muito bom um espaço coletivo que não fosse deles.

Ter feito Normal foi o que mais enriqueceu a minha vida. Fazer a travessia da carteira para a mesa principal, estar diante da turma exercitando o ofício, construir cada segundo da performance e ser responsável pelo conteúdo e pela reação e resultado disso tudo. Para uma pessoa que em criança não brincava de roda porque tinha "vergonha" me transformou absurdamente.

Ter acesso à História da Educação, aos grandes pensadores da Pedagogia, ter aulas de Humanas que se propunham a explicar a construção do mundo e as relações da gente enquanto sociedade com a própria, quando eu vinha de um mundo no qual nem conversa havia, no máximo a novela, o preço do arroz, a falta do feijão, foi praticamente um parto a fórceps.

Aprender pra ensinar, aprender a ensinar, logo depois aprender para multiplicar saberes. Sim, porque a minha geração é de transição, testemunhas de tudo o que poderia dar certo, das conquistas e da supressão disso tudo. Enquanto o mundo evoluía, o Brasil cerceava com ditadura o futuro dos brasileiros e até nisso a Escola Normal me marcou com com o ferro em brasa da inquietude. Hoje reflito o quanto os professores lutaram para que essa "caixa" não atrofiasse as cabeças e aleijasse as almas. Bravas professoras e professores!

Professora, sim e formada com louvor!
Apesar da rebeldia pelo uniforme tradicional de mangas longas e saias que a inspetora fazia a gente desenrolar para que ficasse longa também.
Uniforme de gala, que eu achava cafona mas era o orgulho da mamãe! Mamãe que imaginava que eu estaria bem encaminhada por poder depois de formada prestar concurso pro Banco do Brasil e ter uma vida mais tranquila do que ela teve e, de quebra, ostentar o precioso anel com a estrela prateada aplicada no negro ônix, simbolizando a "luz nas trevas". Um segundo grau que dava um anel de grau muito respeitável, ponto máximo para as classes que tinham a universidade como utopia. Eram tempos difíceis, até os sonhos tinham que ter um limite. Mamãe sonhava assim. Os professores me puxavam para adiante.

No estágio eu era a preferida da galera. Os estudos no Carmela me deram o poder de esconder a timidez nalgum lugar. Ela voltava depois em formato de náusea, rosto queimando como febre, uma incapacidade de me manter em pé e uma gagueira que inviabilizava qualquer fala. Mas tudo isso era depois. Durante Tia Rose mandava bem e dava conta!

Alguns anos depois fui a um jogo de búzios, o babalorixá joga as conchas e me informa:
- Você é professora.
- Não, não sou. Não dou aulas. Trabalho num escritório como secretária júnior.
- Você é professora. É seu destino. Esteja onde estiver, esteja atenta, pois você estará sempre ensinando, principalmente o que acha que não sabe.
Você será professora na mesa de bar, no meio da festa, nas filas, em todo lugar.

Tenho, sim, uns cacoetes de professora de nível fundamental. Falo alto buscando o tempo todo saber se me entendem. Anoto tudo, sistematizo tudo, uso marcadores coloridos, sublinho e ainda enfeito se possível

Gosto de crianças, não pra trocar fraldas, pegar no colo, mas de conversar com elas e explicar o que não sei, aquelas perguntas saias-justas, o desafio da sinceridade cruel infantil? Respondo, sim e a gente se entende. E eu me sinto professora e elas me chamam de tia.

Eu me sinto professora hoje quando me perguntam coisas na laive e eu faço o trajeto mundial pra chegar à resposta, pois que sem ele haverá muitos que não conseguirão entender.
Respostas são mais que sim e não e vão muito além do eu acho.
Dúvidas exigem explicação, explicação depende de um processo. Entender é um processo. O "por que?" se vier, será muito mais interessante e benvindo.

Ser professora é mais do que dar aulas, é entregar conhecimento, é transferência de saberes. Diferentemente das transfusões de sangue, podem ocorrer em qualquer lugar e a compatibilidade pode ser construída, desde que o paciente saiba e se disponha ao "tratamento"

Eu estudei num tempo que professores driblavam a caixa onde enfiaram o Brasil e nos mostravam o que tinha fora dela.
A esses professores, feliz Dia!
Lembro de cada um de vocês!
Pode parecer que foram muitos, talvez tenham sido, mas saibam, vocês foram únicos.
Feliz Dia do Professor! 

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