2 de out. de 2020

E FOI ASSIM QUE NÃO ACONTECEU

 

Pra quem chegou agora, Procuram-se Mulheres é um curta produzido numa oficina de audiovisual de nome #PorTelas que se propôs a ensinar cinema para pessoas periféricas, da ZN residentes nos bairros adjacentes à Madureira. Três filmes foram produzidos, #procuramsemulheres entre eles.

 Sou a diretora, fiz o argumento, escrevi o roteiro, selecionei as personagens, vendi meu celular pra pagar pequenas despesas de deslocamento ao longo do curso, sonhei. Descobri finalmente, que era cinema o que deus queria que eu fizesse quando me despachou pra esse mundo e por isso o inscrevi em todos os festivais que pude, cerca de 70 ou 75 e compareci a cada cineclube e mostra em escolas e faculdades que me convidaram ou que consegui me convidar.

 Das exibições inesquecíveis, além da avant première, na quadra do GRES Portela, o filme foi exibido no Mar - Museu de Arte do Rio em duas ocasiões culturais "de ponta", incluindo o encerramento da edição 2019 Universidade das Quebradas que então completava 10 anos, um curso de extensão que modificou o que já estava novo em mim com a realização desse curta que é um documentário. Nunca vou esquecer a emoção da exibição no Odeon, num dos festivais mais incríveis que é o MIMO Festival. Estar naquele templo, no coração do Rio, minha terra natal,  num festival foda com correntes fodásticos. Ganhei muitos aplausos, elogios e uma noite de insônia boa, a qual  passei rindo sozinha ao lembrar de tudo. E ainda competiu no mesmo festival em São Paulo.

Nada mal para um filme de estreia que ainda teria duas viagens internacionais para competir não fosse a pandemia. Dos 70 ou 75 festivais onde o inscrevi, foi selecionado para 64, recebeu 2 troféus e 4 menções honrosas. Pensando-se que os festivais são disputa acirradíssimas, que o número de produções de mulheres ou sobre mulheres aumentou imensamente elevando ainda mais o sarrafo mesmo nessas competições específicas, foi um feito e tanto.

 Afinal, do que trata o Procuram-se Mulheres?

Um curta de 17 minutos, documentário que fala sobre a ausência de protagonismo da mulher no Samba; no Festival de Santa Maria foi identificado como um "filme que denuncia o preconceito/machismo das compositoras no samba", uma coisa que não pensei mas que gostei. Protagonizado por sambistas que além de contarem "os pedaços" que passaram, sugerirem soluções, mostram um aperitivo do seu trabalho na forma como ocorrem as nossas iniciativas no samba: sem ensaio por puros entraves econômicos.

 Feito o filme, algumas de nós sonhamos em transformar a "fita" em música. Botei a cineasta pra subir e cantei pra produtora descer. Não era uma tarefa fácil. O samba vive de cachês pífios, bilheterias  muitas vezes complicadas, passadas de chapéu que agora tem o lindo nome de contribuição voluntária ou solidária. Nosso grupo não era completo, algumas instrumentistas teriam que vir "de fora" e o soco na boca do estômago ao pensar numa bilheteria insuficiente? O produtor trabalha mais que todo mundo na execução de uma produção, e em caso de infortúnio, sai de mãos abanando pedindo carona, mas precisa pagar o combinado. Ainda assim, fui à luta embalada pela realidade do talento daquelas artistas e pelo sonho  que o Procuram-se se desdobrasse em sambas mil e se investisse da Cultura que o fez nascer e desse uma rasteira em tudo-estrutural que ele traz naquela roda de conversa. Foram várias tentativas tanto internas  quanto editais que deram em nada, apenas no meu amadurecimento de encarar os nãos sem desistir e continuar confiando no sonho e na realidade.

 O primeiro edital que nos contemplou, hoje me envia um e-mail e-mail óbvio e justo, afinal, estamos em pandemia AINDA, por mais que as autoridades neguem, não se importem e grande parte do povo queira se adormecer como se estivesse em transe dominado pela droga pesada da ilusão. A pandemia, ainda que algo extremamente nocivo e delicado, expõe o câncer que nossa sociedade sempre alimentou com o preconceito, a indiferença. O ruim da pandemia, para os nossos governantes, foi o silenciar das moedinhas tilintando nos seus ouvidos ambiciosos de feitores arrumadinhos com gasolina paga, carro à disposição, dentista pago, cartão corporativo e toda uma série de benefícios que o cidadão, se precisar usar tem que pagar e eles, não. Daqui, de Nárnia, eu fico pensando o quão estão felizes de ver a cultura se contorcendo e seus trabalhadores à míngua e até se digladiando entre si na discussão de dentro ou fora de casa, colocando-se como vítimas heroicas enfrentando risco do vírus e pregando, via discursos nas redes sociais,  nas costas daqueles que se obrigam a ficar em casa uma culpa que ninguém tem. Ninguém exceto os governates do Brasil, da cidade e do estado do Rio de Janeiro. Os equipamentos públicos tendo a luz cortada e sofrendo depredação. Tudo o que esses vermes precisavam era de um vírus que atacasse a respiração das pessoas, afinal vermes respiram em qualquer lugar, não entendem, não consomem e não fazem arte nem nada com arte.

#revolts #vaipassar #potencia #resistência #procuramsemulheresoshow

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